ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O massacre de Barra de Tabatinga no contexto dos massacres de Cunhaú e Uruaçu - retirando a poeira da História (1994)...

Mirante de Barra de Tabatinga 
 
EM BREVE NÍSIA FLORESTA PODE TER UM SANTO

Alguns poucos alfarrábios contam que, logo após o terrível massacre ocorrido na capela de Nossa Senhora das Candeias, no engenho Cunhaú (Canguaretama), em 1645, os moradores – luso-brasileiros em sua maioria – fugiram para várias localidades, amedrontados com atrocidades promovidas pelos holandeses calvinistas, hostis ao catolicismo (assim é repassado) e obviamente motivados por questões de natureza política. Na dianteira disso, a serviço dos holandeses, estava o mercenário alemão, Jacob Rabbi.
 
Esses nativos fugiram de seus lugares de origem, se embrenharam nas matas e nunca mais deram notícias, inclusive houve quem fugisse para a capitania da Paraíba. O medo e o pavor eram tantos, que o único bálsamo dos que presenciaram ou ouviram dizer era fugir sem rumo para salvar a si e seus familiares. O terror tomou conta da capitania do Rio Grande.
 
Memorial aos mártires de Cunhaú e Uruaçu - Canguaretama/RN 
 
Essa história é conhecidíssima, inclusive o Governo do Estado promulgou como feriado a data de três de outubro, cuja Igreja Católica promove uma série de eventos sacros no período. Mas há uma página (tão preciosa quanto) que poucos sabem. Quando falei sobre esse assunto a um grupo de nisiaflorestenses, em 1992, todos foram unânimes em afirmar que não era verdade, pois nunca um professor lhes contou sobre isso em sala de aula, e que se verdade fosse, eles aprenderiam isso na escola. Fiquei perplexo. Tal experiência explica o grau de desconhecimento da história do município por parte dos próprios nativos, o que é perdoável, pois nem todos tinham o hábito de ler e pesquisar.
 
Pois bem, após o terrível morticínio de Cunhaú, houve um "lapso de tempo" e depois o fato se repetiu em Uruaçu. Mas esse lapso de tempo não foi um mero lapso. Nesse interim, houve um episódio - como disse acima - que nem os nisiaflorestenses sabiam. Foi quando desencadeou uma série de episódios relacionados à procura dos fugitivos de Cunhaú, inclusive outros morticínios. Um deles deu-se exatamente em Barra de Tabatinga, onde o grupo do alemão Jaco Rabbi, Paul de Linge, a serviço Supremo Conselho da Holanda, matou quase vinte católicos fugidos de Cunhaú, antes de se concretizar o terceiro massacre, que foi exatamente em Uruaçu (São Gonçalo do Amarante). 
 
O trecho abaixo, publicado n'A Revista do Instituto Arqueológico do Pernambuco traz a seguinte informação, transcrita por Tavares de Lyra em 1921, a qual deixa claro a existência de três massacres:

"Sete anos mais tarde, após os massacres de Cunhaú, do engenho de   João Lostau e Uruaçu, a ele se referia uma memória conhecida".

Essa informação é muito clara, e precisamos reconhecer que não foram dois, mas três massacres. Vamos nos inteirar de outros dados mais abaixo - como por exemplo, quem era João Lustau - para entendermos porquê ocorreu em Papary, hoje Nísia Floresta. O sanguinário alemão – que possuía foros de caçador – adquiriu foros de caça, como diz o ditado "um dia é da caça, outro do caçador" como veremos adiante.
 
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta/RN (1735-1755), fundada pelas famílias Gusmão, Peres e Marinho, sob orientação arquitetônica dos padres capuchinhos, com mão de obra escrava e indígena (Aldeamentos de Mopebu).
 
Há 361 anos na povoação de Papary, que já teve o seu nome mudado cinco vezes, quase nada existia no que hoje é o centro da cidade, exceto meia dúzia de casas de taipa cobertas com palhas, outras totalmente feitas de palha, inclusive o barracão no qual os freis Capuchinhos e Jesuítas celebravam missas, oriundos dos aldeamentos existentes em São José do Rio Grande, hoje, São José de Mipibu. 
 
A localidade era um marasmo total. Prova disso são as referências de Ferreira Nobre, escritas em 1877, quando ele dá o seu parecer sobre o aspecto feio e cemiterial do centro de Papary. O lugarejo nunca foi muito habitado.

JOÃO LOSTAU NAVARRO E BARRA DE TABATINGA

Em 1645 Papary era uma densa floresta permeada de índios, já bastante acostumados com a presença do homem branco. Não é a toa que até hoje existe uma larga faixa de terra - agarrada ao centro da cidade - que conserva o nome “Sítio Floresta” até mesmo nas escrituras públicas de imóveis. Havia moradores de diversos países da Europa espalhados por pontos estratégicos, como Cururu, Pirangi, Búzios, Taguatinga (Tabatinga) e Alcaçuz
 
Nessa época, Barra de Tabatinga era moradia de única família, naquele tempo chamada de “Porto de Tabatinga”; alguns chamavam “Porto de João Lostão”, pois ali morava um francês que comercializava peixes, inclusive exportava para Pernambuco. Era católico fervoroso e residia numa casa-forte nas proximidades do penhasco, onde atualmente há restaurantes, cujos turistas atualmente se juntam para ver os golfinhos bailar nas águas do mar. É um desfiladeiro que deve ter uns cinquenta metros. 
 
Os velhos mapas apontam que próximo dali havia a “Ponta de Estevão Ribeiro” (não sei se os atuais moradores de Tabatinga ainda conservam esse nome) e se tratava de um vizinho de Lostão. Foi o primeiro morador não-indígena de Barra de Tabatinga.  
 
Em 1992, quando precisei me debruçar nos livros para conhecer a História do Rio Grande do Norte para contextualizar a personagem Nísia Floresta com a história local, lembro-me que conversei com um aluno muito curioso sobre as coisas do passado. Morador da praia de Barra de Tabatinga, ele contou-me que sua avó dizia que na “Piçarreira” existiam os alicerces de uma “Fortaleza”. Na realidade ele dizia “casa grande”
 
Esse local – “Piçarreira” – conforme conferi depois era ponto de se retirar piçarro para construir estradas. Piçarro é uma mistura feita com pedra, areia, terra e cascalho; certamente essa mistura era feita ali, portanto a justificativa desse topônimo. Talvez isso explique a ausência de vestígios. Os mais antigos deveriam saber melhor sobre isso. Há uma ruína de casa muito bem conservada, em Piranji (de Nísia Floresta) e alguns confundem com esses registros acima. Mas geograficamente falando, é outro lugar, sem relação alguma com a casa de João Lustao Navarro.

Capela de Nossa Senhora de Fátima, em Barra de Tabatinga - Nísia Floresta/RN. Nessa Capela há uma imagem doada por João Batista Gondim, cujo seu nome foi dado a uma rua de Papari, anteriormente chamada de "Rua do Comercio".
 
Nesse mesmo ano – 1992 – eu havia iniciado um estudo sobre casas de taipa (inclusive está publicado neste blogue com o título "Casadetaipa"; é um dos meus textos mais acessados). Lembro-me que nos meus trabalhos de História Oral conheci dona Josefina, famosa em toda a região, conhecida como "Véia Zefinha", senhora idosa, benzedeira, que morava numa ruela, à esquerda para quem vem de Nísia Floresta e faz a curva de Tabatinga, pouco antes da capelinha. Visitei-a algumas vezes e, em 1994, fui ali com as minhas irmãs que chegaram do Mato Grosso do Sul.
 
Essa doce senhora, de estatura baixa, sempre portando lenço na cabeça, tinha a coluna muito arqueada, tornando sua compleição física ainda mais mirrada – o que chamava a atenção a uma pessoa de mais de noventa anos. A ela atribuíam o dom sobrenatural de receber espíritos e fazer revelações a quem buscasse os seus conhecimentos. Também contavam que ela conseguia erguer um homem adulto nas costas, sem ajuda alguma. Como não acredito em nada espiritual, fui ali apenas para saber sobre o que ela sabia sobre o local, e o que ouvia dos seus pais e avós.  
 
Dona Josefina ("Véia Zefinha) gentilmente pousando ao lado de minhas duas irmãs, em sua residência, em 1994. O registro foi feito por mim, portanto não apareço nele.


 
Em 1994, como expus, tendo ido ali com duas irmãs minhas, oriundas do Mato Grosso do Sul, de onde somos originários, ela contou-me que sua avó dizia que por ali existia uma imensa ""casa grande", cujos moradores retiravam as pedras para fazer baldrame de suas novas casas. As palavras dessa anciã, referentes a essa velha construção, não posso descrevê-las – ipsis literis – pois ficaram sepultadas nas velhas fitas cassetes estragadas pelo tempo. Só reproduzi o que ela me contou sobre benzimentos e casa de taipa. Mas era mais ou menos isso: essa casa grande era dos estrangeiro, esse povo que vem do lado de lá do mar”. São informações toscas, mas falam por si e tornam evidente a existência da casa de pedra nessa localidade.
 
O francês João Lostau Navarro, casado com Luzia da Mota, aparece nos velhos documentos com as mais diversas grafias, por exemplo: Juaon, Juan, Jan, assim como o sobrenome Orotau, Stau, S’tau, Estau, Leitão, Leston, Lastão, Lestauws, Lostão dentre outros, mas vou usar o nome abrasileirado no início deste parágrafo. Fazendo jus a antiga tradição, no dia 13 de abril de 1626 ele presenteou com um dote substancial a sua filha Maria Lostão Caza Mayor, que noivara com Manuel Rodrigues Pimentel, conforme nos conta Olavo de Medeiros Filho. 
 
Durante o domínio holandês, esse genro ocupou o cargo de Escabino (Magistrado Municipal na França, antes de 1789). OBS. Os europeus que chegavam ao Brasil, conservavam as mesmas nomenclaturas de seus países nas funções e cargos que ocupavam ou criavam). 
 
Quase dez anos depois, após a conquista do Rio Grande do Norte pelos holandeses, sua filha Beatriz Lostão Caza Mayor, casou-se com Joris Gartdzman, este fora o primeiro comandante do "Castelo Keulen" (Fortaleza dos Reis Magos). Observe como as coisas da genealogia nos pregam peças: as filhas não tinham o seu sobrenome (mas isso é só uma curiosidade).

Interior da Fortaleza dos Reis Magos, em Natal/RN
 
É justamente esse genro de João Lostao Navarro, por nome de Joris Gardtdzman que, muito tempo depois, nutriria ódio fulminante a Jacob Rabbi, que viria assassinar João Lostau Navarro, logo após comandar o massacre de Cunhaú, conforme veremos adiante. É de Garzdtzman, sogro de João Lostao, as seguintes palavras: 
 
o mundo nada perderia se se desembraçassem de semelhante canalha”. 
 
Creio que o leitor já entendeu o porquê de eu ter me referido a João Lostau como futuro santo, no subtítulo, mas veremos isso mais adiante. 

Além do Porto de Tabatinga, João Lostau Navarro era dono de vastas propriedades. A doação número quinze, do livro de doação de terras feitas pela Capitania do Rio Grande do Norte, datado de 1º de março de 1601, favorece João Lostau, que recebeu mil e duzentas braças de terra 
 
“... ao longuo do mar no çitio que comessa do ryo Canayri para o norte”, somando-se a estas terras mais mil e duzentas braças para o sertão, ou seja, ao poente (inclusive dá como instalado “um porto de pescarya”)
 
Na realidade, ele recebeu uma infinidade de terras ao longo dos anos, cujo teor dos próprios documentos as classificam como impróprias para roças e pastos (certamente por se tratar de área litorânea). As doações compreendiam propriedades espalhadas entre Pirangi e Arês.
 
No livro 1º do Governo do Brasil, compreendendo os períodos entre 1607 a 1633, Dom Luís de Souza faz referência a João Lostao nos seguintes termos:

“João Lostao, residente na Capitania do Rio Grande do Norte, já velho, He da governança da capitania. Justificou ser de nação Navarro posto que se tem como francês viue naquella capitania depois que se conquistou tem roças. Reside na praya onde pesca co hua rede não o obriguei recolherse ao sertão para informação que me deram os padres da Companhia de sua muita fidelidade de já velho e dos da gouernança da Capitania”.

      Curiosamente, pesquisando velhos documentos em 1994, achei o sobrenome “Lustau Navarro” dentre os sobrenomes dos primeiros professores a lecionar em Papary. Esse dado faz-nos deduzir tratar-se de um parente de João Lostau Navarro, pois não havia outro francês com o mesmo nome naquela ocasião. E seria uma coincidência excepcional se o fosse. 
 
O professor citado acima era vivo em 1844, pois é citado em velhos documentos da província. Tenho convicção que Manuel Laurentino de Alustau Navarro, nome de escola na comunidade do Porto, em Nísia Floresta, professor querido de Isabel Gondim, e Cândido Freire de Alustau Navarro, nome de um posto de saúde no centro de Nísia Floresta, famoso homeopata de Papary, que durante toda a sua vida atendeu a população como fosse médico, devido aos seus conhecimentos - são descendentes de João Lustau Navarro. 
 
Estou me aprimorando nas pesquisas para futuras postagens, pois mexer nas coisas da História é ver diante de si uma caixa repleta de peças de quebra-cabeça com as mais variadas imagens, signos, símbolos etc. 
 
É difícil destrinçar os acontecimentos de forma cronológica com poucos registros, nomes e sobrenomes escritos de diversas formas, inclusive errados, e isso acontece na minha própria família, conforme constatei num livro de doação de sesmarias no IHGRN, onde consta uma doação em São José de Mipibu, em favor de um trisavô da minha mãe, por parte do pai dela, tendo em vista que o parentesco da mãe dela é de Goianinha.
      
        Uma publicação francesa, denominada Jornaux Et Nouvelles, de Hessel Gerritsz traz a seguinte informação: 
 
Tareyrich, um pequeno rio. Ali reside um francês, Juão Oroutau, que lá exerce a pesca e envia o peixe aos portugueses que habitam em Pernambuco e que o vêm procurar com os navios”. 
 
(OBS. Tareyrich foi a forma de o autor se referir ao rio Trairi, e Juão Oroutau é nada mais que João Lustao, conforme escrevemos hoje
 
       Como sabemos, os povos indígenas não possuíam escrita. Fomos nós – homens brancos – que copiamos o que eles falavam e inventamos suas escritas. Nessa loucura, escrevíamos conforme entendíamos. É por isso que – com relação ao nome Papari, também se encontra escrito assim: Paspary, Ypari, Upari etc. 
 
 
      Como idioma algum é falado exatamente do modo como é escrito, o tupi e o guarani não passaram ilesos. Mas, com relação a menção de Tareyrich (rioTrairi), suponho que ele se refira à desembocadura das águas da lagoa Papary, em Camurupim, as quais recebem as águas do rio Trairi em suas origens, inclusive passando nos fundos do Engenho São Roque, em Nísia Floresta e nos fundos da fazenda Ilha, ao lado da comunidade do Porto. 
 
      Camurupim faz divisa com Barra de Tabatinga. O rio Trairi nasce na Serra do Doutor, perpasse por alguns municípios, como São José de Mipibu, se mistura ao rio Mipibu, depois à lagoa Papary (antes Paraguaçu) e desemboca em Camurupim, praia que faz divisa com Barra de Tabatinga. Naquele tempo essa região era conhecida como Tabatinga (ou Taguatinga). Ainda não existia a atual divisão geográfica e tampouco a nomenclatura "Camurupim". Restou uma língua de rio.

    O nome de João Lustao Navarro figura em documentos de diferentes datas, “Porto de João Lostão, “Um local de grande pescaria” (1642), inclusive os mapas informam a existência de uma “lagoa de água doce meya legoa do porto de João Lostão”. OBS. Quando sabemos que uma légua possui quase cinco quilômetros metros, obviamente meia légua possui pouco mais de dois quilômetros. Qual seria a lagoa situada a tal distância de Tabatinga? Os leitores que são de Nísia Floresta já sabem que se trata da lagoa de Arituba. Não existe outra. Nesse local os moradores de Tabatinga vinham buscar água potável. Essa é outra prova de que a casa de Pedra de Pirangi nada tem a ver com as ruínas da casa de Joan Lustau Navarro, mencionada pelos mais antigos, como já expus acima, no depoimento da srª Josefina ("Zefinha"), 90 anos.

Lagoa Arituba 
Lagoa Arituba
        Os nisiaflorestenses que gostam das coisas do passado sabem que um dos mapas mais conhecidos da História, e que faz referência à Papary, Cururu, Pirangi, Tarairi (Trairi), Papeba, Guiraraíra (Guaraíra) Tabatinga (inclusive o nome original é Taguatinga), Buzios, Ipuxi (hoje lagoa do Bonfim) dentre outros nomes antiqüíssimos, é o famoso mapa de Marcgrave, datado de 1643, inclusive é muito didático, apesar de sua antiguidade, e suas convenções cartográficas são iguais às atuais. Nele, se vê, no lado sul da Enseada de Tabatinga, a barra do rio Tarairi (Trairi), escoradouro das lagoas de Papari, Papeba e Guiraraíra (Guaraíras). 
 
OBS. O link abaixo traz um texto que escrevi em 2000, ele ajuda o leitor a situar-se nessa geografia de veredas e estradas que entrecortavam a velha Papari: http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2010/11/estrada-colonial-de-papari-povoado-de.html
 
Mapa de Marcgrav
 
Como vivemos numa região emoldurada por dunas, suas areias aterraram a citada barra, exatamente no final do antigo Trairí. Quando nos debruçamos sobre esse mapa e o comparamos com os atuais, localizamos com facilidade o ponto onde no passado as águas corriam normalmente.
 
       Nesse mapa estão distribuídas as cinco construções que existiam na propriedade de João Lostao Navarro, situadas exatamente na margem esquerda do Trairi no pontal de Tabatinga, às margens do oceano, região correspondente à atual povoação de Barra de Tabatinga.
 
      Como expliquei no início, João Lostau Navarro era católico, bem como os empregados de seu engenho. A expressão de sua religiosidade era o bastante para despertar a ira dos protestantes (se bem que acredito que toda essa confusão se resumiu numa luta pelo poder, pela posse, sem relação alguma com religião ou religiosidade). O que fizeram foi apenas pegar esse "massacre" como matéria prima para o produto religioso católico. É opinião pessoal minha, embora respeito quem endossa todo esse conceito de "santidade".
 
        No dia 13 de junho de 1645, o Grande Conselho Holandês – que estava atento a quaisquer movimentações suspeitas – promoveu uma reunião em Recife para discutir sobre suspeitas de que havia um plano de insurreição luso-brasileiro contrário aos interesses dos holandeses (observe aqui o caráter político). 
 
        Nesse mesmo dia decidiram que João Lostao Navarro deveria ser preso imediatamente, apontado como líder da rebelião na Capitania do Rio Grande. O Conselho entrou em contato com Paulus de Linge, governador da Paraíba e transferiu-lhe a responsabilidade de prender João Lostão.
 
Desenho retratando navios holandeses.
          
     Durante o episódio que ficou conhecido como Massacre do Engenho Cunhaú, aos 16 de julho de 1645, os moradores da região do morticínio empreenderam fuga para o Porto de Tabatinga, na casa-forte de Lostão Navarro, obviamente por se sentirem protegidos. Entendo que essa fuga evidencia a importância política de João Lostau Navarro e identificação da população luso-brasileira com ele. Do contrário, jamais procurariam proteção num local suspeito. 
 
       Nesse mesmo período os soldados enviados por Paulus de Linge (Governador da capitania da Paraíba) se esconderam nas matas próximas a Ponta de Estevão Ribeiro e passaram dias vigiando João Lostao. Numa manhã, ele saiu em direção ao trapiche e foi pego de surpresa e levado para o “Castelo Keulen”, que na realidade era a Fortaleza dos Reis Magos. Esse nome “Keulen” decorria do fato de a citada fortaleza estar sob comando do Governo da Holanda.
 
Capela erguida em 1936, em Uruaçu, local onde ocorreu um dos massacres 
         
        Pouco tempo depois, em meado de setembro do mesmo ano, o sanguinário Jacob Rabbi – que percorria toda a capitania como um rato persegue sua presa – convocou uns quinze índios tapuias, brasilianos e mais trinta civis holandeses e embrenharam-se nas matas de Papary, rumo a Barra de Tabatinga
 
      Ali tomaram de assalto a casa forte e as casinhas dos demais moradores, assassinando 16 portugueses. Logo em seguida instalaram no local – que por sinal era estratégico – o quartel-general das operações bélicas. Nele ficaram instaladas os soldados holandeses até o dia 29 de junho de 1646
 
       O massacre de Barra de Tabatinga foi documentado de diversas formas por contemporâneos, inclusive pelo cronista Lopo Curado Garro refere-se a tratamentos absurdos oferecidos pelos holandeses aos luso-brasileiros, como socos no rosto, pontapés, coices, torturas, ameaças, pressões psicológicas, sempre com o objetivo de que eles negassem a fé católica. Na mesma época Nieuhof assim registrou:

“Jacob Rabbi, voltando da viagem com o pregador Astetten, com uma pequena força de tapuias e auxiliado por brasileiros e mais trinta civis holandeses, ocupavam o Sítio de João Lostão, onde assassinaram 15 ou 16 portugueses.

       Depois desse massacre, no mês seguinte, exatamente dia três, ocorreu o massacre de Uruaçu, ocasião em que foram assassinados diversos portugueses, homens, mulheres, crianças. O morticínio ocorreu num local chamado àquela época “Porto de Uruaçu”. Essa região atualmente conserva o nome “Porto dos Flamengos”. 
 
  Finalizando, alguns dados devem ser considerados. Sobre a casa de João Lostão Navarro, ela seria próxima da barra do camurupim (Cascudo, L. da Câmara - 1955. p 69) Ainda sobre o mesmo assunto: É certo que a princípio Medeiros concordou com Hélio Galvão sobre a pertença da casa-forte de Pium ser de João Lostão. Então viriam as perguntas óbvias: a casa-forte de Pium não seria hipoteticamente de João Lostão Navarro? já que o próprio Olavo de Medeiros Filho assim se refere baseado em vetusta documentação, correspondência dirigida pelo filho do donatário João de Barros, ao rei de Portugal, e datada de 1570, onde faziam alusões à presença dos franceses na costa potiguar aonde  
 
"todos os anos vão a ela a carregar pau-brasil por ser o melhor de toda a costa. E fazem já casas de pedra em que entram em terra fazendo comércio com o gentio." (BAIÃO, Antonio. Documentos inéditos sobre João de Barros e a sua família. In: Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, 1917. Citado por MEDEIROS FILHO, Olavo. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág 27.). 
 
Já me perguntaram se a casa onde ocorreu o massacre, em Nísia Floresta, seria a "Casa de Pedra" de Pium. Mas tenho outra opinião sobre essa casa (datada de 1570). Joan Lustau não possuia somente uma propriedade, mas várias, e obviamente poderia haver outras casas de pedra. Estamos falando de uma construção arquitetônica de quando o Brasil só tinha 70 anos de invasão (que chamam "descobrimento). E quanto ao massacre, nos referimos a um episódio ocorrido há 377 anos. Nesse caso é suposição minha.
 
Mas porque estou dizendo isso? Porque desde 1992, quando iniciei os meus estudos em História Oral nas áreas de Nísia Floresta, São José de Mipibu, Parnamirim e Natal, ouvi de muitos moradores idosos que alguns alicerces de velhas igrejas e casas foram feitos com restos de casas de pedras abandonadas que existiam nas imediações de Camurupim e Barra de Tabatinga. 
 
            O senhor Pedro Mesquita, ex-vereador, morador em Pium, contou-me que pessoas muito antigas dessa localidade lhe contavam que a capela dessa localidade foi feita com pedras arrancadas da Cassa Forte de Pium, e que ela era maior do que se apresenta atualmente.
 
Segundo o sr. Mesquita, somente depois que os herdeiros tomaram pé da importância dessa construção foi que começaram a impedir a depredação, pois, do contrário, seria mais uma casa que todos conheceriam apenas "de falar", como é o caso de outras. 
 
Sobre o massacre e o seu local exato, deixo claro que, embora tenho convicção de que se deu em Barra de Tabatinga, estou aberto a discussões. Creio que os historiadores jovens, que gostam de informática, deveriam montar um mapa bem pedagógico, tendo como base os topônimos mencionados e suas respectivas distâncias, até porque essas tecnologias têm ajudado a esclarecer muitos fatos importantíssimos da História. 
 
Quem me conhece sabe que pesquiso a personagem Nísia Floresta Brasileira Augusta há 30 anos, e no curso do tempo deparei-me algumas informações desencontradas, dúbias e até erradas, e então passei a reescrevê-las, contando-a de maneira diferente do passado, mas sobre o presente assunto meu pensamento é o mesmo de sempre, pois me amparo em diversos autores contemporâneos, autores europeus de séculos anteriores e alguns mapas. 
 
Estou aberto a esclarecimentos, acaso alguém tenha outro posicionamento sobre o assunto, até porque nunca me vi nem me sinto o dono da verdade. Ocorre que em História precisamos ter opinião. Ressalto alguns historiadores que escreveram sobre o massacre, como Olavo, Cascudo, Hélio Galvão. Há duas coisas tenho certeza absoluta: houve um massacre em Nísia Floresta decorrente do massacre de Cunhaú, e como a Arquidiocese de Natal vem postulando a canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, por esse raciocínio, em breve Nísia Floresta terá um santo, e seu nome é Joan Lustao Navarro. Luís Carlos Freire, escrito em outubro de 1993 e reescrito/revisado em 2016.
 
Igreja Matriz de São Gonçalo do Amarante
 
PROPOSTA DE PROJETO TURÍSTICO RELIGIOSO PARA BARRA DE TABATINGA

    Diante desse episódio desconhecido pelos nisiaflorestenses – até porque nunca ouvi algum nativo mencioná-lo – urge ao município de Nísia Floresta a elaboração de um projeto de Turismo Religioso que associe o Massacre de Tabatinga aos Massacres nos Engenhos Cunhaú e Uruaçu, partindo do princípio de que se trata de um fato. Esse projeto obviamente deve partir de alguma fonte (e aqui está ela). 
 
    Depois deve ser construído a várias mãos, envolvendo-se a Secretaria Estadual de Turismo, Secretaria Municipal de Turismo de Nísia Floresta, após a aprovação do Executivo e Legislativo nisiaflorestense. A Igreja Católica – obviamente – seria uma das mais interessadas e deveria encampar o projeto, inclusive já adiantando a futura canonização de Joao Lustao Navarro.

 
O episódio, ocorrido em Setembro de 1645 só carece de um estudo para a exatidão do dia, pois mês e ano estão informados nos documentos. Os fundamentos religiosos para legitimar o projeto se amparam no fato de os cristãos assassinados serem católicos, inclusive fugitivos de Cunhaú; a propósito, alguns presenciaram de longe o massacre.
 
      Fica a sugestão. Mas independente de o projeto se concretizar ou não, aqui está um excelente subsídio para quem trabalha como guias de turismo, inclusive bugueiros da região que compreende Nísia Floresta, Canguaretama e São Gonçalo do Amarante (berços dos massacres), além de estudantes que gostam de conhecer a história de seu município. 
 
       Existe uma tese que aponta as ruínas da casa de pedra situada entre Pirangi e Pium como sendo a casa de João Lustau Navarro, inclusive Câmara Cascudo aborda o assunto, mas não associa essa casa de pedra ao massacre, inclusive não o comenta. Isso dá margem para que leitores que desconhecem tais informações mais primitivas pensem que o massacre possa ter ocorrido em Piranji, na referida casa de pedra (o que não é real). OBS. Refiro-me a Piranji do Sul, que faz parte do município de Nísia Floresta, pois algumas pessoas confundem com Piranji do Norte, que faz parte do município de Parnamirim.
 
      Os documentos originais - e de época - escritos por cronistas como os citados acima, são muito claros ao se referir a Tabatinga, inclusive a tratam com nomenclatura  diferente (Porto de Tabatinga"), mas sempre com a palavra "Tabatinga", a qual é uma só. Ademais os antigos mapas são muito claros ao mencionar Pirangi, Buzios, Barra de Tabatinga e Camurupim. 
 
       Não existia outra Tabatinga. Para reforçar a tese do testo acima, os antigos escritos são claros ao mencionar a "Ponta de Estevão Ribeiro", a "Piçarreira", as quais ficavam em Barra de Tabatinga. O massacre foi, de fato, em Tabatinga.
 
Casa de Pedra situada entre Pirangi e Pium - Não tem relação à casa forte de João Lustau Navarro
        
      Outro  detalhe importante: um porto de pesca fica a beira-mar, e não tão distante, como é o caso da casa de pedra de Piranji do Sul. Aqui neste mesmo blog já publiquei alguns textos sobre a referida casa de pedra, como por exemplo neste link: 
 
http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2010/11/casa-de-pedra-de-pirangi-um-registro.html
 
     Entre 1993, enquanto Bolsista de Iniciação Científica no Departamento de Ciências Sociais da Base de Pesquisa "Educação e Sociedade", na UFRN,  trabalhei durante quatro anos (1993-1997) com o projeto Levantamento e Catalogação das Fontes Primárias e Secundárias da História da Educação no Rio Grande do Norte, projeto coordenado pelo sociólogo e prof. José Willington Germano, sob coordenação geral do prof. Demerval Saviani, da USP. Eu pesquisava no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, IHGRN e, como toda pessoa que gosta de História, ia às 8 da manhã e saia quando o IHGRN fechava, embora meu horário oficial de trabalho fosse de apenas 3 horas por dia. 
 
     
     Quando eu não estava pesquisando para a Base de Pesquisa, pesquisava assuntos do meu interesse. Foi assim que conheci e bebi da fonte mais farta que já conheci em toda a minha vida - em termos de conhecimento da história do RN - Dr. Olavo de Medeiros Filho, infelizmente já falecido. Tempos depois, já formado, era com ele que eu me socorria, telefonando sempre para tirar algumas dúvidas sobre diversos assuntos mais primitivos, inclusive aparecemos em foto postada acima. Ele sempre destacou o massacre ocorrido em Barra de Tabatinga, inclusive pude ver os documentos originais enquanto ele mesmo pesquisava.

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