ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CANTORA MARIA DA SOLEDADE PARTICIPA DA FESTA DA PADROEIRA NOSSA SENHORA DO Ó
A cantora nisiaflorestense Maria da Soledade, em férias na sua terra natal, deu uma palhinha durante a Festa da Padroeira Nossa Senhora do Ó.
Convidada pelo padre José Lenilson a cantora encerrou a novena do dia 15 de dezembro com um cântico católico e emocionou toda a igreja com sua voz agradável. Para os nativos foi um verdadeiro presente a participação de Soledade, pois todos apreciam os CD's da cantora e torcem pelo seu sucesso.


"Para mim foi um prazer o convite recebido. Penso em voltar em dezembro de 2011 e se for do interesse posso me preparar até mesmo para me apresentar durante o momento cultural da Festa da Padroeira Nossa Senhora do Ó", disse a cantora.
Além de fazer shows no Rio de Janeiro, Maria da Soledade também faz parte do Coral da Igreja Matriz de Copacabana, inclusive canta em latim diversos cantos gregorianos (Fídias Augusto)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

BREVE ESTUDO SOBRE VERDADES E LENDAS DO BAOBÁ DE NÍSIA FLORESTA

A África é o berço dos baobás, árvore diferente por seu aspecto singular. Uns acham-na feia e esquisita, outros vêem-na como exótica, bela e atraente. Mas algo é certo, um baobá não passa despercebido .
Nativo das regiões tropicais da África, o baobá pode viver até dois mil anos. Também é conhecido por outros nomes. no Guiné-Bissau é fruta-pão-de-macaco, cabaceira, calabaceira; no Cabo Verde é embondeiro, imputeiro; em Moçambique é licondo; na Angola é melambeira e micondó; em São Tomé e Príncipe é molambeira; em Moçambique é molambo e na Angola é nebondo.
Etimologicamente falando, o “baobá” é vocábulo de origem latina: “baobab”, em francês e “bu-ibab”, em árabe.
O Rio Grande do Norte possui dezenas de baobás espalhados em pontos distintos, como Apodi, Macaíba, Natal e outros municípios, testemunhando um passado remotíssimo, quando as placas tectônicas do Continente Americano ainda não tinham se separado do Continente Africano, onde os baobás são tão abundantes como são para nós tantas espécies brasileiras comuns.
Poucas pessoas sabem, mas o município de Nísia Floresta possui dois baobás adultos, e até na década de 1970 possuia três exemplares. O maior está no centro da cidade, outro na Fazenda Mãe-Ia, no Sítio Floresta, exatamente na divisa com a estrada, na altura do distrito de Golandi. O terceiro baobá – extinto – ficava próximo a entrada do município, nas imediações do engenho São Roque, num declive íngreme. Com o advento da terraplanagem e urbanização, a terra da sua base foi deslizando, facilitando seu tombamento, após uma forte chuva do meado de 1970. Se naquela época existisse um nível de consciência mais cidadão por parte das autoridades, teria-se feito um trabalho de recolocação da espécime, às custas de tratores e guindastes, pois boa parte de suas raízes permaneceram fincadas no solo. A preciosidade de tal exemplar permitiria tais esforços. Faltou apenas visão.
O baobá pertence à família das bombacáceas, cujo nome científico é Adansonia digitata. Possui tronco extremamente grosso, galhos curtos, folhas comestíveis e flores branco-róseas, cujo branco se sobressai. Na África sua madeira, mole e porosa, é usada para confecção de embarcações e na produção de fibras, cordas, papel e tecido. A árvore do centro de Nísia Floresta costuma florescer de janeiro a março. Segundo se percebeu em 2010, sua floração superou todas as anteriores, conforme observaram os mais idosos. Supostamente isso aconteceu em decorrência da forte temperatura desse ano, fenômeno este também nunca visto.
Não apenas o visual do baobá é diferente. Suas flores são singulares. Elas despencam de um talo de aproximadamente 20 cm e se abrem como se estivessem de cabeça para baixo.
O mesmo fenômeno da multiplicação das flores ocorreu com os frutos, pois nunca se viu tantos como em 2010. Os frutos têm o formato de cápsulas oblongas (parecida com o corpo de um pinguim) e pubescentes (semelhantes ao veludo). Dentro se formam uma espécie de fibra que produz bagas secas, comestíveis. Em Nísia Floresta ouvi depoimento de pessoas que fazem suco do pó que sai dessas fibras e, segundo dizem, é delicioso, adquirindo uma consistência leitosa com facilidade. O sabor, exótico, lembra o gosto do tamarindo.
O baobá de Nísia Floresta é tombado pela lei federal nº 4.771/65 e pela lei municipal nº 169/79. Consta em sua lateral uma placa informando que o exemplar foi plantado por um cidadão chamado Manoel de Moura Júnior, no ano de 1877. Acredito que isso seja pura pretensão, tendo em vista que a árvore é muito mais antiga do que informa a ingênua placa, conforme podemos constatar lendo mais aprofundadamente sobre tal espécie, a qual necessita de mais tempo de vida para ter o diâmetro e a altura atuais. O próprio Câmara Cascudo levantou essa questão, a qual acho muito pertinente. O conteúdo da placa soa mais como uma lenda, dentre tantas que povoam o imaginário popular.

FANTASIAS CONTADAS POR NATALENSES QUE SONHAM DEMAIS

Diógenes, em sua Natal Biografia de Uma Cidade, p. 278 a 279 diz que Antoine de Saint-Exupéry esteve na América do Sul, entre outubro de 1929 a janeiro de 1931, trabalhando para a Lattécoère como diretor da subsidiária Cia. Aeroposta Argentina. E diz que Pery Lamartine registrou a sua presença:
“Como diretor e também aviador profissional, ele tinha um avião à sua dsiposição para fazer visitas a todas as bases de linha. Natal era uma das principais, pois aqui se faziam a baldeação das malas postais entre os navios (avisos) e os aviões e vice-versa. Assim sendo, Natal hospedava constantemente tripulações completas para substituir os pilotos da escala de voo. Essas tripulações conviviam cordialmente com a sociedade natalense, a exemplo de Jean Mermoz, que deixou aqui uma lembrança.”
Segundo o autor, Rocco Rosso, encarregado do setor de rádio e comunicação da Lattécoère, bateu fotos do escritor herói em Natal. Diga-se de passagem, tais fotos são desconhecidas pelos os historiadores. D. Amelinha Machado (viúva Machado), dona Nati Cortez e dona Nair Tinoco confirmam a importância da presença. Dona Nair lembra, em Outras recordações, as suas subidas à torre da matriz para apreciar o por-do-sol. Nilo Pereira foi-lhe apresentado por Jean Mermoz.
Diz ainda, o autor, que o escritor José Rafael de Menezes, em seu Amizades Bibliográficas, que não havendo tempestades nas costas nacionais, beber água de coco não seria tema de grandes manifestações literárias para o piloto, que se alternava entre duas paisagens: o deserto e as montanhas. Rafael fala da “poética valorização do ser humano” e destaca: “O maior deles na década de 40, Antoine de Saint-Exupéry”. José Rafael registra ainda que “somente os colegas oriundos de Natal exibiam um autógrafo com o retrato do homem”. Alguém já viu uma cópia desse retrato em algum livro?
As mentes férteis comentam que foi em Natal que Exupéry fez os desenhos de O pequeno príncipe, seu livro mais famoso, lançado em Nova Iorque, em 1943. Diz-se que o francês viu com estranheza o baobá da rua São José, em Natal. Haja imaginação! Exupéry já se fartara de ver baobás na África tão conhecida por ele, inclusive era rota de voo.
Há até quem pontue tópicos para reforçar a lenda. Leiamos os mesmos, na visão de Diógenes:
- O aviador hospedou-se na casa de dona Amelinha Machado, proprietária do terreno onde está o baobá;
- Há depoimentos que Exupéry teria declarado que o por do sol do Potengi é o mais lindo do mundo.
- O elefante, um dos desenhos do livro, é o símbolo do Rio Grande do Norte (a semelhança com o mapa do estado é sempre estilizado).
- Há desenhos de falésias, de dunas e de estrelas, que é o símbolo da cidade de Natal;
- No livro póstumo Cartas à sua mãe, há um trecho onde Exupéry diz que “Dacar é bem feia, mas o resto da linha, uma maravilha”. O resto da linha começava em Natal.
É prudente analisarmos uma série de detalhes, tanto dos tópicos acima quanto do contexto da época.
Fernando Hipólyto da Costa, um historiador respeitado, fez um levantamento de época, de todos os vôos Paris/Brasil e Argentina/Natal, tendo em vista a relação profissional de Exupéry com as plagas pampas, e sequer foi encontrado um registro de voo do citado francês para Natal.
Como Exupéry estranharia uma árvore a qual estava acostumado a ver em abundância e em todas as nuanças na África?
Por que Exupéry baseou seu elefante num mero mapa do Rio Grande do Norte – com diferenças gritantes do desenho real de um elefante – se ele estava habituado a ver elefantes ao vivo e em cores, na África?
Atribuir os desenhos de falésias, dunas e estrelas existentes no livro a Natal é muita imaginação, considerando que Exupéry era acostumado a ver tal cenário por quilômetros a fio quando sobrevoava a África. De dia e de noite. Por outro ângulo, devemos entender – sem precisar se esforçar – que as estrelas do livro são óbvias ao contexto do desenho, pois ele retratou o planeta Terra com direito a céu. Por que tais estrelas, que existem no mundo inteiro, haveriam de ter sido inspiradas justamente nas de Natal/RN? O argumento “símbolo da cidade” é muito ingênuo. Ainda sobre céus e estrelas, o primeiro livro escrito por Exupéry, Correio Sul, é repleto de referências poéticas aos céus da África.
Sobre as palavras escritas pelo autor, no livro Cartas à sua mãe, “o resto da linha, uma maravilha”, Exupéry poderia ter feito a peripécia de, em voo para a Argentina, ter passado sobre Natal, pois é caminho. Mas isto não significa dizer que as linhas divisórias imaginárias retratassem um elefante passível de ser visto lá de cima.
Sobre o francês ter se hospedado na casa da dona Amelinha Machado – justamente encostada ao baobá – segundo o citado autor, e sobre todas essas suposições, fica uma lacuna incompreensível. Por que Luís da Câmara Cascudo, que registrou em livros sobre inúmeros viajantes brasileiros e estrangeiros ilustres que passaram em Natal, se esqueceu justamente de Exupéry?

TROCANDO SUPOSIÇÕES POR DOCUMENTOS

Fernando Hipólyto da Costa, Coronel-aviador, historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, escreveu que certa vez um cidadão lhe perguntou se tinha sido Exupéry quem plantara o baobá da rua São José, em Lagoa Seca, Natal. Ele riu, pois não podia ser diferente.
Segundo ele, Exupéry nunca foi partícipe dessa fase dourada da aviação comercial francesa, no que se refere às travessias Dakar-Natal-Dakar (3.200 km em cada trecho), ocasiões em que os tripulantes enfrentavam condições meteorológica diversas, o capricho dos ventos alíseos, os frios das Madrugadas e a imensidão de céu e água em viagens que consumiam 15 a 20 horas de voo.
O historiador recomenda a leitura detalhada da publicação francesa “Répertoire des Traversés Aériennes De L’Atlantique Sud Par L’Aéropostale Et Air France (1930-1940)”, escrita por Perre Labrousse em Paris em 1974. O livro lista todas as travessias, as quais, acaso Exupéry tivesse feito, estariam ali evidenciadas. Hipólyto, chamando esse contexto mítico de “absurdidades”, diz: “Se tudo passa na vida, a História fica e ela não perdoa os que não lhe entendem a lição”.
No livro citado, é possível constatar 512 travessias (256 em cada sentido: Dakar-Natal ou Natal-Dakar), onde somente 4 não foram cumpridas, veja:
- Viagem 001-regresso, de 8 para 9 de julho de 1939. Motivo: amerrissagem forçada a 700 km de Dakar, em conseqüência de um vazamento de óleo de motor. Tripulantes e malotes do correio recolhidos pelo navio Phocée (“Aviso”). Foram voadas 14 horas a partir de Natal.
- Viagem 035-regresso, em 10 de fevereiro de 1936. Perdido no oceano depois de 7 horas de voo, na etapa Natal-Dakar. Perda total da aeronave e dos tripulantes, além de 1 passageiro.
- Viagem 074-ida, em 7 de dezembro de 1936. Motivo: Perdido no oceano depois de 3 horas e 57 minutos de voo. Perda total da aeronave e dos 5 tripulantes.
- Viagem 074-regresso. Não foi cumprida devido ao acidente constante na travessia anterior (074-ida). Seria a etapa Natal-Dakar.
A primeira travessia foi efetuada de 12 para 13 de maio de 1939, com o monomotor Late 28, matrícula F-AJNQ, sendo o primeiro voo realizado para o Brasil com malas postais. Apenas 3 tripulantes: Mermoz (piloto), Darby (navegador) e Gimié (radiotelegrafista).
A última (512, ou 256-refresso) ocorreu em 2 de julho de 1940, voando o F-AQCX de Natal para Dakar, com cinco tripulantes e tempo de voo de 15 horas e 51 minutos. A Air France suspendeu as atividades por se encontrar a Europa imersa na 2ª. Guerra Mundial.
O nome de Exupéry não consta nas relações de viagens. A empresa, que contava com treze aeronaves, destinava-se unicamente ao transporte de malas postais; em apenas dezenove travessias foram incluídos vinte e dois passageiros e esses somente viajaram com autorização expressa do presidente da companhia. E Exupéry não consta nessa relação.
O quadro de pessoal “aeronavegante”, na época pesquisada (1930-1940), compunha-se de dezessete comandantes, quarenta e um copilotos, 12 navegadores, dez radiotelegrafistas e 15 mecânicos; desse grupo de noventa e cinco tripulantes que operavam no Atlântico Sul, não é encontrado o nome de Exupéry.
O historiador Hipólyto pesquisou toda a documentação antiga referente a vôos de chegada e saída de Natal para outros países. E o nome de Exupéry não está entre os demais. Pesquisou também nos anais da Air France e informaram que ele nunca fez tal voo.
Interessante é o fato de Exupéry, enquanto escritor portador de uma verve literária de extrema sensibilidade, não ter registrado nada sobre Natal, acaso aqui tivesse colocado os pés. Concordam?
Diante desse quiprocó, por que insistem tanto se existem provas que ele nunca veio ao Rio Grande do Norte. Segundo o autor, a explicação é simples. Exupéry foi convidado pela Argentina a ocupar a gerência da Companhia Latécoère em Bueno Aires. Exupéry deixou a França viajando em navio de grande porte, chegando a capital portenha em outubro de 1929. Na ida o navio fez escala no Rio de Janeiro e Santos. No Rio ele teve algumas horas para conhecer a cidade, prosseguindo a viagem rumo a Argentina.
Regressando à França, após pouco mais de um ano, novamente por via marítima, Exupéry passou pelas mesmas localidades da ida. Tanto na vinda da Europa como no regresso para a França. Tanto na vinda de Europa como no regresso para a França, não ocorreu atracação no porto de Natal.
No livro “O caminho do avião”, de autoria de Luís da Câmara Cascudo, ele apresenta uma série de reportagens escritas de 1922 a 1933, acerca de 33 reides famosos com passagem para Natal. Por que o mestre da história do Rio Grande do Norte haveria de ter esquecido justamente de nome tão famoso e representativo? É lógico, ele não esqueceu, afinal Exupéry não esteve por aqui.
Os aviadores franceses também participaram das travessias aéreas do Atlântico Norte, existindo registros de 12 viagens de longa duração, consideradas “experimentais” e decorridas nos anos de 1938 e 1939.
As informações constam da publicação “La Ronde S’Arrête”, de autoria de George Bouchard, o qual tomou parte de todas as viagens.
Um registro importante na viagem n. 7 transcorrida de 7 a 10 de julho de 1939, Saint-Exupéry viajou como passageiro em aeronave de matrícula F-NORD, sob comando de Guillaumet, umas das “estrelas” da aviação francesa.
Regressou à França (viagem n. 8) deixando os Estados Unidos em 14 de julho de 1939, com a mesma tripulação e novamente na condição de passageiros.

E, AFINAL, QUEM FOI EXUPÉRY?

Antoine-Marie-Roger de Saint-Exupéry, seu nome de batismo, tinha a aviação como fonte de ação heróica e novo tema literário: exalta a aventura com riscos de vida como suprema realização humana. Sua obra é o testemunho singular de um piloto de guerra com a alma de poeta.
Nasceu em Lyon, na França, em 29 de junho de 1900, oriundo de família aristocrática empobrecida. Obteve licença de piloto em 1922, no serviço, e quatro anos depois ingressou na aviação pela Latécoère. Ajudou a implantar rotas de correio aéreo na África, América do Sul e Atlântico Sul, além de ter sido pioneiro nos vôos Paris-Saigon e Nova York-Terra do Fogo. Nessa época, publicou seu primeiro livro Courrier-Sud (1929 – Correio Sul).
Exupéry soube aliar – e daí talvez a razão do seu permanente sucesso – a sensibilidade do artista a uma visão de mundo caracterizada pela autenticidade de quem só escreveu sobre o que de fato viveu. Permanentemente preocupado com os acontecimentos que o circundaram, seus livros refletem os problemas da sociedade e dos indivíduos de sua época. O despojamento do estilo, a narrativa direta, a linguagem depurada de tudo que não contribui para a expressão concreta e imediata do que o escritor deseja contar, estão a serviço de um objetivo presente na obra inteira de Exupéry: o de dignificar a condição humana, o de reivindicar a sua essencial liberdade, sem abrir mão da complexidade – não raro feita das mais dramáticas contradições – que a define.
Na década de 1930, trabalhou como piloto de provas, adido de publicidade para a Companhia Aérea Air-France e repórter do Paris-Soir. Nomeado diretor da Cia. Aeroposta Argentina, exerceu o cargo até 1931. Em seu segundo romance, Vol de nuit (1931 – Voo noturno), exaltou os primeiros pilotos comerciais, que enfrentavam a morte no cumprimento do dever. Registrou suas próprias aventuras em Terre dês hombres (1939 – Terra dos homens).
Em 1939, apesar das dificuldades físicas causadas por acidentes aéreos, serviu na aviação aliada. Com a queda da França em poder dos Nazistas, fugiu para os Estados Unidos. Ali, escreveu Lettre à um otage (1943 – Carta a um refém), exortação a unidade dos franceses, e Le petit prince (1943 – O pequeno príncipe), fábula infantil para adultos , traduzida no mundo inteiro. Seu pessimismo aparece em Citadelle (1948 – Cidadela), volume póstumo de reflexões, no qual expressa a convicção de que o homem deve ser repositório dos valores da civilização. Em 1943, voltou à força aérea no norte da África e morreu em missão, 31 de julho de 1944, participando de uma esquadrilha de bombardeiros da libertação da Sicília. Tendo ultrapassado o limite de idade para continuar pilotando, recebe a permissão para realizar mais cinco missões de reconhecimento. Numa delas desapareceu para sempre no mar.
Exupéry nunca se sujeitou à classificação de escritor profissional. De personalidade irriquieta, nada em sua formação (foi péssimo aluno) fazia crer que viesse a se tornar autor dos excepcionais livros que escreveu. Herói da segunda guerra mundial, dedicou todo o seu trabalho literário à defesa daquilo que o levou a morrer: a liberdade do homem.

CONCLUSÃO

Ficam aqui as provas de que Antoine de Saint-Exupéry esteve em Natal, sim, mas na imaginação fértil de tantos que preferem acreditar na “história da carochinha”, se pautando pelo hábito de dizer “foi fulano quem falou”, “ouvi dizer”, “dizem que” ou “o povo é quem diz”. Tal comportamento me recorda o depoimento de Rita Ribeiro, uma professora da UFMA, a qual, durante o lançamento do seu polêmico livro “Ana Jansen” – ocasião em que estive presente – informou à platéia que sofreu muitas críticas e até ameaças por ter revelado em seu livro a verdade sobre a referida personagem.
Nas suas pesquisas aprofundadas ela descobriu (com provas documentais) que figurões da história do Maranhão, com os seus nomes dados à diversas instituições, com direito a placas de bronze e enormes letreiros, foram verdadeiros crápulas. Nesse caso não me refiro a Exupéry, mas ao fato de existirem pessoas que, mesmo descobrindo a verdade, provada por documentos, preferem contar e recontar mentiras em livros e em palestras, prestando desserviço à história. Isso se agrava quando quem o faz muitas vezes atende ao adjetivo de “historiador ou “escritor”.
Ao apresentar as provas documentais, Hipólyto finalizou dizendo “E o tempo se encarrega de transmitir às novas gerações disparatados epílogos que não traduzem a realidade. De minha parte, posso afirmar à luz da História e com o apoio da documentação em meu poder, e ainda sem qualquer vacilação, que Antoine de Saint-Exupéry nunca esteve em Natal”.
Um fato bem curioso ocorreu em Natal, recentemente, quando o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves, muito sensato e prudente, cancelou o projeto de colocar uma estátua do aviador francês na “Praça-do-pôr-do-sol” – que atendia sugestão justamente das pessoas que prestam desserviço à história -, as quais afirmavam que naquele lugar Exupéry costumava “assistir o crepúsculo vespertino sobre o rio Potengi”. Carlos Eduardo, com certeza constatou que, de todas as informações que dizem do Francês, ditas como passadas em Natal, nenhuma foi comprovada – nem com fotos – nem com escritos.



Bibl. Barsa, 2000, vol. 13; p.39/ Correio Sul, EXUPÉRY, Antoine de Saint, 198113ª ed. N. Fronteira/ Diário de Natal, 20.4.08 “Exupéry aqui? Impossível”/ FREIRE, L. Carlos, “Os baobás de Nísia Floresta”. 1999, 40 p. fl. dig./ Folhas avulsas de anos avariados.




BAOBÁS DE NÍSIA FLORESTA

A África é o berço dos baobás, árvore diferente por seu aspecto singular. Uns acham-na feia e esquisita, outros vêem-na como exótica, bela e atraente. Mas algo é certo, um baobá não passa despercebido .
Nativo das regiões tropicais da África, o baobá pode viver até dois mil anos. Também é conhecido por outros nomes. no Guiné-Bissau é fruta-pão-de-macaco, cabaceira, calabaceira; no Cabo Verde é embondeiro, imputeiro; em Moçambique é licondo; na Angola é melambeira e micondó; em São Tomé e Príncipe é molambeira; em Moçambique é molambo e na Angola é nebondo.
Etimologicamente falando, o “baobá” é vocábulo de origem latina: “baobab”, em francês e “bu-ibab”, em árabe.
O Rio Grande do Norte possui dezenas de baobás espalhados em pontos distintos, como Apodi, Macaíba, Natal e outros municípios, testemunhando um passado remotíssimo, quando as placas tectônicas do Continente Americano ainda não tinham se separado do Continente Africano, onde os baobás são tão abundantes como são para nós tantas espécies brasileiras comuns.
Poucas pessoas sabem, mas o município de Nísia Floresta possui dois baobás adultos, e até na década de 1970 possuia três exemplares. O maior está no centro da cidade, outro na Fazenda Mãe-Ia, no Sítio Floresta, exatamente na divisa com a estrada, na altura do distrito de Golandi. O terceiro baobá – extinto – ficava na entrada do município, no Conjunto Jessé Freire, num declive íngreme. Com o advento da terraplanagem e urbanização, a terra da sua base foi deslizando, facilitando seu tombamento, após uma forte chuva do meado de 1970. Se naquela época existisse um nível de consciência mais cidadão por parte das autoridades, teria-se feito um trabalho de recolocação da espécime, às custas de tratores e guindastes, pois boa parte de suas raízes permaneceram fincadas no solo. A preciosidade de tal exemplar permitiria tais esforços. Faltou apenas visão.
O baobá pertence à família das bombacáceas, cujo nome científico é Adansonia digitata. Possui tronco extremamente grosso, galhos curtos, folhas comestíveis e flores branco-róseas, cujo branco se sobressai. Na África sua madeira, mole e porosa, é usada para confecção de embarcações e na produção de fibras, cordas, papel e tecido. A árvore do centro de Nísia Floresta costuma florescer de janeiro a março. Segundo se percebeu em 2010, sua floração superou todas as anteriores, conforme observaram os mais idosos. Supostamente isso aconteceu em decorrência da forte temperatura desse ano, fenômeno este também nunca visto.
Não apenas o visual do baobá é diferente. Suas flores são singulares. Elas despencam de um talo de aproximadamente 20 cm e se abrem como se estivessem de cabeça para baixo.
O mesmo fenômeno da multiplicação das flores ocorreu com os frutos, pois nunca se viu tantos como em 2010. Os frutos têm o formato de cápsulas oblongas (parecida com o corpo de um pinguim) e pubescentes (semelhantes ao veludo). Dentro se formam uma espécie de fibra que produz bagas secas, comestíveis. Em Nísia Floresta ouvi depoimento de pessoas que fazem suco do pó que sai dessas fibras e, segundo dizem, é delicioso, adquirindo uma consistência leitosa com facilidade. O sabor, exótico, lembra o gosto do tamarindo.
O baobá de Nísia Floresta é tombado pela lei federal nº 4.771/65 e pela lei municipal nº 169/79. Consta em sua lateral uma placa informando que o exemplar foi plantado por um cidadão chamado Manoel de Moura Júnior, no ano de 1877. Acredito que isso seja pura pretensão, tendo em vista que a árvore é muito mais antiga do que informa a ingênua placa, conforme podemos constatar lendo mais aprofundadamente sobre tal espécie, a qual necessita de mais tempo de vida para ter o diâmetro e a altura atuais. O próprio Câmara Cascudo levantou essa questão, a qual acho muito pertinente. O conteúdo da placa soa mais como uma lenda, dentre tantas que povoam o imaginário popular.

FANTASIAS CONTADAS POR NATALENSES QUE SONHAM DEMAIS

Diógenes, em sua Natal Biografia de Uma Cidade, p. 278 a 279 diz que Antoine de Saint-Exupéry esteve na América do Sul, entre outubro de 1929 a janeiro de 1931, trabalhando para a Lattécoère como diretor da subsidiária Cia. Aeroposta Argentina. E diz que Pery Lamartine registrou a sua presença:
“Como diretor e também aviador profissional, ele tinha um avião à sua dsiposição para fazer visitas a todas as bases de linha. Natal era uma das principais, pois aqui se faziam a baldeação das malas postais entre os navios (avisos) e os aviões e vice-versa. Assim sendo, Natal hospedava constantemente tripulações completas para substituir os pilotos da escala de voo. Essas tripulações conviviam cordialmente com a sociedade natalense, a exemplo de Jean Mermoz, que deixou aqui uma lembrança.”
Segundo o autor, Rocco Rosso, encarregado do setor de rádio e comunicação da Lattécoère, bateu fotos do escritor herói em Natal. Diga-se de passagem, tais fotos são desconhecidas pelos os historiadores. D. Amelinha Machado (viúva Machado), dona Nati Cortez e dona Nair Tinoco confirmam a importância da presença. Dona Nair lembra, em Outras recordações, as suas subidas à torre da matriz para apreciar o por-do-sol. Nilo Pereira foi-lhe apresentado por Jean Mermoz.
Diz ainda, o autor, que o escritor José Rafael de Menezes, em seu Amizades Bibliográficas, que não havendo tempestades nas costas nacionais, beber água de coco não seria tema de grandes manifestações literárias para o piloto, que se alternava entre duas paisagens: o deserto e as montanhas. Rafael fala da “poética valorização do ser humano” e destaca: “O maior deles na década de 40, Antoine de Saint-Exupéry”. José Rafael registra ainda que “somente os colegas oriundos de Natal exibiam um autógrafo com o retrato do homem”. Alguém já viu uma cópia desse retrato em algum livro?
As mentes férteis comentam que foi em Natal que Exupéry fez os desenhos de O pequeno príncipe, seu livro mais famoso, lançado em Nova Iorque, em 1943. Diz-se que o francês viu com estranheza o baobá da rua São José, em Natal. Haja imaginação! Exupéry já se fartara de ver baobás na África tão conhecida por ele, inclusive era rota de voo.
Há até quem pontue tópicos para reforçar a lenda. Leiamos os mesmos, na visão de Diógenes:
- O aviador hospedou-se na casa de dona Amelinha Machado, proprietária do terreno onde está o baobá;
- Há depoimentos que Exupéry teria declarado que o por do sol do Potengi é o mais lindo do mundo.
- O elefante, um dos desenhos do livro, é o símbolo do Rio Grande do Norte (a semelhança com o mapa do estado é sempre estilizado).
- Há desenhos de falésias, de dunas e de estrelas, que é o símbolo da cidade de Natal;
- No livro póstumo Cartas à sua mãe, há um trecho onde Exupéry diz que “Dacar é bem feia, mas o resto da linha, uma maravilha”. O resto da linha começava em Natal.
É prudente analisarmos uma série de detalhes, tanto dos tópicos acima quanto do contexto da época.
Fernando Hipólyto da Costa, um historiador respeitado, fez um levantamento de época, de todos os vôos Paris/Brasil e Argentina/Natal, tendo em vista a relação profissional de Exupéry com as plagas pampas, e sequer foi encontrado um registro de voo do citado francês para Natal.
Como Exupéry estranharia uma árvore a qual estava acostumado a ver em abundância e em todas as nuanças na África?
Por que Exupéry baseou seu elefante num mero mapa do Rio Grande do Norte – com diferenças gritantes do desenho real de um elefante – se ele estava habituado a ver elefantes ao vivo e em cores, na África?
Atribuir os desenhos de falésias, dunas e estrelas existentes no livro a Natal é muita imaginação, considerando que Exupéry era acostumado a ver tal cenário por quilômetros a fio quando sobrevoava a África. De dia e de noite. Por outro ângulo, devemos entender – sem precisar se esforçar – que as estrelas do livro são óbvias ao contexto do desenho, pois ele retratou o planeta Terra com direito a céu. Por que tais estrelas, que existem no mundo inteiro, haveriam de ter sido inspiradas justamente nas de Natal/RN? O argumento “símbolo da cidade” é muito ingênuo. Ainda sobre céus e estrelas, o primeiro livro escrito por Exupéry, Correio Sul, é repleto de referências poéticas aos céus da África.
Sobre as palavras escritas pelo autor, no livro Cartas à sua mãe, “o resto da linha, uma maravilha”, Exupéry poderia ter feito a peripécia de, em voo para a Argentina, ter passado sobre Natal, pois é caminho. Mas isto não significa dizer que as linhas divisórias imaginárias retratassem um elefante passível de ser visto lá de cima.
Sobre o francês ter se hospedado na casa da dona Amelinha Machado – justamente encostada ao baobá – segundo o citado autor, e sobre todas essas suposições, fica uma lacuna incompreensível. Por que Luís da Câmara Cascudo, que registrou em livros sobre inúmeros viajantes brasileiros e estrangeiros ilustres que passaram em Natal, se esqueceu justamente de Exupéry?

TROCANDO SUPOSIÇÕES POR DOCUMENTOS

Fernando Hipólyto da Costa, Coronel-aviador, historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, escreveu que certa vez um cidadão lhe perguntou se tinha sido Exupéry quem plantara o baobá da rua São José, em Lagoa Seca, Natal. Ele riu, pois não podia ser diferente.
Segundo ele, Exupéry nunca foi partícipe dessa fase dourada da aviação comercial francesa, no que se refere às travessias Dakar-Natal-Dakar (3.200 km em cada trecho), ocasiões em que os tripulantes enfrentavam condições meteorológica diversas, o capricho dos ventos alíseos, os frios das Madrugadas e a imensidão de céu e água em viagens que consumiam 15 a 20 horas de voo.
O historiador recomenda a leitura detalhada da publicação francesa “Répertoire des Traversés Aériennes De L’Atlantique Sud Par L’Aéropostale Et Air France (1930-1940)”, escrita por Perre Labrousse em Paris em 1974. O livro lista todas as travessias, as quais, acaso Exupéry tivesse feito, estariam ali evidenciadas. Hipólyto, chamando esse contexto mítico de “absurdidades”, diz: “Se tudo passa na vida, a História fica e ela não perdoa os que não lhe entendem a lição”.
No livro citado, é possível constatar 512 travessias (256 em cada sentido: Dakar-Natal ou Natal-Dakar), onde somente 4 não foram cumpridas, veja:
- Viagem 001-regresso, de 8 para 9 de julho de 1939. Motivo: amerrissagem forçada a 700 km de Dakar, em conseqüência de um vazamento de óleo de motor. Tripulantes e malotes do correio recolhidos pelo navio Phocée (“Aviso”). Foram voadas 14 horas a partir de Natal.
- Viagem 035-regresso, em 10 de fevereiro de 1936. Perdido no oceano depois de 7 horas de voo, na etapa Natal-Dakar. Perda total da aeronave e dos tripulantes, além de 1 passageiro.
- Viagem 074-ida, em 7 de dezembro de 1936. Motivo: Perdido no oceano depois de 3 horas e 57 minutos de voo. Perda total da aeronave e dos 5 tripulantes.
- Viagem 074-regresso. Não foi cumprida devido ao acidente constante na travessia anterior (074-ida). Seria a etapa Natal-Dakar.
A primeira travessia foi efetuada de 12 para 13 de maio de 1939, com o monomotor Late 28, matrícula F-AJNQ, sendo o primeiro voo realizado para o Brasil com malas postais. Apenas 3 tripulantes: Mermoz (piloto), Darby (navegador) e Gimié (radiotelegrafista).
A última (512, ou 256-refresso) ocorreu em 2 de julho de 1940, voando o F-AQCX de Natal para Dakar, com cinco tripulantes e tempo de voo de 15 horas e 51 minutos. A Air France suspendeu as atividades por se encontrar a Europa imersa na 2ª. Guerra Mundial.
O nome de Exupéry não consta nas relações de viagens. A empresa, que contava com treze aeronaves, destinava-se unicamente ao transporte de malas postais; em apenas dezenove travessias foram incluídos vinte e dois passageiros e esses somente viajaram com autorização expressa do presidente da companhia. E Exupéry não consta nessa relação.
O quadro de pessoal “aeronavegante”, na época pesquisada (1930-1940), compunha-se de dezessete comandantes, quarenta e um copilotos, 12 navegadores, dez radiotelegrafistas e 15 mecânicos; desse grupo de noventa e cinco tripulantes que operavam no Atlântico Sul, não é encontrado o nome de Exupéry.
O historiador Hipólyto pesquisou toda a documentação antiga referente a vôos de chegada e saída de Natal para outros países. E o nome de Exupéry não está entre os demais. Pesquisou também nos anais da Air France e informaram que ele nunca fez tal voo.
Interessante é o fato de Exupéry, enquanto escritor portador de uma verve literária de extrema sensibilidade, não ter registrado nada sobre Natal, acaso aqui tivesse colocado os pés. Concordam?
Diante desse quiprocó, por que insistem tanto se existem provas que ele nunca veio ao Rio Grande do Norte. Segundo o autor, a explicação é simples. Exupéry foi convidado pela Argentina a ocupar a gerência da Companhia Latécoère em Bueno Aires. Exupéry deixou a França viajando em navio de grande porte, chegando a capital portenha em outubro de 1929. Na ida o navio fez escala no Rio de Janeiro e Santos. No Rio ele teve algumas horas para conhecer a cidade, prosseguindo a viagem rumo a Argentina.
Regressando à França, após pouco mais de um ano, novamente por via marítima, Exupéry passou pelas mesmas localidades da ida. Tanto na vinda da Europa como no regresso para a França. Tanto na vinda de Europa como no regresso para a França, não ocorreu atracação no porto de Natal.
No livro “O caminho do avião”, de autoria de Luís da Câmara Cascudo, ele apresenta uma série de reportagens escritas de 1922 a 1933, acerca de 33 reides famosos com passagem para Natal. Por que o mestre da história do Rio Grande do Norte haveria de ter esquecido justamente de nome tão famoso e representativo? É lógico, ele não esqueceu, afinal Exupéry não esteve por aqui.
Os aviadores franceses também participaram das travessias aéreas do Atlântico Norte, existindo registros de 12 viagens de longa duração, consideradas “experimentais” e decorridas nos anos de 1938 e 1939.
As informações constam da publicação “La Ronde S’Arrête”, de autoria de George Bouchard, o qual tomou parte de todas as viagens.
Um registro importante na viagem n. 7 transcorrida de 7 a 10 de julho de 1939, Saint-Exupéry viajou como passageiro em aeronave de matrícula F-NORD, sob comando de Guillaumet, umas das “estrelas” da aviação francesa.
Regressou à França (viagem n. 8) deixando os Estados Unidos em 14 de julho de 1939, com a mesma tripulação e novamente na condição de passageiros.

E, AFINAL, QUEM FOI EXUPÉRY?

Antoine-Marie-Roger de Saint-Exupéry, seu nome de batismo, tinha a aviação como fonte de ação heróica e novo tema literário: exalta a aventura com riscos de vida como suprema realização humana. Sua obra é o testemunho singular de um piloto de guerra com a alma de poeta.
Nasceu em Lyon, na França, em 29 de junho de 1900, oriundo de família aristocrática empobrecida. Obteve licença de piloto em 1922, no serviço, e quatro anos depois ingressou na aviação pela Latécoère. Ajudou a implantar rotas de correio aéreo na África, América do Sul e Atlântico Sul, além de ter sido pioneiro nos vôos Paris-Saigon e Nova York-Terra do Fogo. Nessa época, publicou seu primeiro livro Courrier-Sud (1929 – Correio Sul).
Exupéry soube aliar – e daí talvez a razão do seu permanente sucesso – a sensibilidade do artista a uma visão de mundo caracterizada pela autenticidade de quem só escreveu sobre o que de fato viveu. Permanentemente preocupado com os acontecimentos que o circundaram, seus livros refletem os problemas da sociedade e dos indivíduos de sua época. O despojamento do estilo, a narrativa direta, a linguagem depurada de tudo que não contribui para a expressão concreta e imediata do que o escritor deseja contar, estão a serviço de um objetivo presente na obra inteira de Exupéry: o de dignificar a condição humana, o de reivindicar a sua essencial liberdade, sem abrir mão da complexidade – não raro feita das mais dramáticas contradições – que a define.
Na década de 1930, trabalhou como piloto de provas, adido de publicidade para a Companhia Aérea Air-France e repórter do Paris-Soir. Nomeado diretor da Cia. Aeroposta Argentina, exerceu o cargo até 1931. Em seu segundo romance, Vol de nuit (1931 – Voo noturno), exaltou os primeiros pilotos comerciais, que enfrentavam a morte no cumprimento do dever. Registrou suas próprias aventuras em Terre dês hombres (1939 – Terra dos homens).
Em 1939, apesar das dificuldades físicas causadas por acidentes aéreos, serviu na aviação aliada. Com a queda da França em poder dos Nazistas, fugiu para os Estados Unidos. Ali, escreveu Lettre à um otage (1943 – Carta a um refém), exortação a unidade dos franceses, e Le petit prince (1943 – O pequeno príncipe), fábula infantil para adultos , traduzida no mundo inteiro. Seu pessimismo aparece em Citadelle (1948 – Cidadela), volume póstumo de reflexões, no qual expressa a convicção de que o homem deve ser repositório dos valores da civilização. Em 1943, voltou à força aérea no norte da África e morreu em missão, 31 de julho de 1944, participando de uma esquadrilha de bombardeiros da libertação da Sicília. Tendo ultrapassado o limite de idade para continuar pilotando, recebe a permissão para realizar mais cinco missões de reconhecimento. Numa delas desapareceu para sempre no mar.
Exupéry nunca se sujeitou à classificação de escritor profissional. De personalidade irriquieta, nada em sua formação (foi péssimo aluno) fazia crer que viesse a se tornar autor dos excepcionais livros que escreveu. Herói da segunda guerra mundial, dedicou todo o seu trabalho literário à defesa daquilo que o levou a morrer: a liberdade do homem.

CONCLUSÃO

Ficam aqui as provas de que Antoine de Saint-Exupéry esteve em Natal, sim, mas na imaginação fértil de tantos que preferem acreditar na “história da carochinha”, se pautando pelo hábito de dizer “foi fulano quem falou”, “ouvi dizer”, “dizem que” ou “o povo é quem diz”. Tal comportamento me recorda o depoimento de Rita Ribeiro, uma professora da UFMA, a qual, durante o lançamento do seu polêmico livro “Ana Jansen” – ocasião em que estive presente – informou à platéia que sofreu muitas críticas e até ameaças por ter revelado em seu livro a verdade sobre a referida personagem.
Nas suas pesquisas aprofundadas ela descobriu (com provas documentais) que figurões da história do Maranhão, com os seus nomes dados à diversas instituições, com direito a placas de bronze e enormes letreiros, foram verdadeiros crápulas. Nesse caso não me refiro a Exupéry, mas ao fato de existirem pessoas que, mesmo descobrindo a verdade, provada por documentos, preferem contar e recontar mentiras em livros e em palestras, prestando desserviço à história. Isso se agrava quando quem o faz muitas vezes atende ao adjetivo de “historiador ou “escritor”.
Ao apresentar as provas documentais, Hipólyto finalizou dizendo “E o tempo se encarrega de transmitir às novas gerações disparatados epílogos que não traduzem a realidade. De minha parte, posso afirmar à luz da História e com o apoio da documentação em meu poder, e ainda sem qualquer vacilação, que Antoine de Saint-Exupéry nunca esteve em Natal”.
Um fato bem curioso ocorreu em Natal, recentemente, quando o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves, muito sensato e prudente, cancelou o projeto de colocar uma estátua do aviador francês na “Praça-do-pôr-do-sol” – que atendia sugestão justamente das pessoas que prestam desserviço à história -, as quais afirmavam que naquele lugar Exupéry costumava “assistir o crepúsculo vespertino sobre o rio Potengi”. Carlos Eduardo, com certeza constatou que, de todas as informações que dizem do Francês, ditas como passadas em Natal, nenhuma foi comprovada – nem com fotos – nem com escritos.

Referências:

- BARSA, Enciclopédia 2000, vol. 13; p.3

- EXUPÉRY, Antoine de Saint. Correio Sul, 1981, 13ª ed. N. Fronteira
- Diário de Natal, 20.4.2008 “Exupéry aqui? Impossível
- FREIRE, L. Carlos, “Os baobás de Nísia Floresta”. 1999, 40 p. fl. dig./ Folhas avulsas de anos avariados.












terça-feira, 16 de novembro de 2010

CASA DE PEDRA DE PIRANGI – UM REGISTRO SOBRE AS PRIMEIRAS CONSTRUÇÕES SÓLIDAS DO BRASIL

As primeiras construções erguidas em nosso país foram de taipa e pilão e cobertas de palha, as quais tiveram existência efêmera. As paliçadas foram substituídas por muralhas mais eficazes de pedra e cal, e posteriormente as pequenas capelas foram reconstruídas em alvenaria e depois substituídas por igrejas. Dessa forma o conceito de construção foi adquirindo uma conotação mais densa, sempre evoluindo para materiais mais duráveis e resistentes.

A Casa de Pedra de Pirangi do Sul, no município de Nísia Floresta, antiga Papary, apesar de não ter relevância arquitetônica, representa um marco das construções sólidas em solo brasileiro nas primeiras décadas do seu descobrimento.

Em fevereiro de 1992, disfarçado de turista, conheci a Casa de Pedra de Piranji do Sul, localizada à margem direita do rio também denominado Piranji, próximo à sua barra, a cerca de 1 km da rodovia de acesso a Piranji do Norte, em Parnamirim, e fiquei impressionado por estar diante de ruínas que aparentavam ter alguns séculos. Senti-me um Fawcet. Reforcei a ideia antiga e que precisa ser alardeada que “o Brasil começou realmente pelo Nordeste”, mas não imaginava que aquele conjunto arquitetônico fosse datado de 1570, ou seja, da época em que o Brasil tinha apenas 70 anos.

Um mês depois o destino me levou às salas de aula para construir o conhecimento com alunos habitantes das terras onde se encontrava aquele monumento fascinante. Não perdi tempo. Organizei uma programação de conteúdos que culminou com aulas de campo em diversos pontos históricos do município de Nísia Floresta, no qual se incluía – logicamente – a Casa de Pedra de Piranji: a menina dos meus olhos. Foi muito proveitosa aquela visita.

Antes da visita, fui ao Instituto Histórico e Geográfico para conhecer Olavo de Medeiros Filho, um historiador, autor de diversos livros, os quais li alguns e fiquei apaixonado pela região e pelas informações que aquele mestre garimpara ao longo de suas pesquisas. Depois, na condição de Bolsista de Iniciação Científica na UFRN, acabei acompanhando-o em pesquisas durante quatro anos.

O professor Olavo, muito gentil, atendeu-me por sucessivas tardes e sentia prazer em ser perguntado. Vendo aquilo, explorei-o até o máximo, não apenas sobre as ruínas da velha casa, mas sobre assuntos inúmeros. Mesmo após a visita à Casa de Pedra de Piranji do Sul, com os alunos, continuei visitando-o no IHGRN, inclusive qualquer dúvida que eu tinha ligava imediatamente para ele, o qual a sanava ou orientava-me onde buscar a informações. Isso deu-se de 1992 a 2003, ano em que ele faleceu.

Não existe muito material primário sobre o assunto, apenas breves registros de época, garimpados pelo professor Olavo no IHGRN, os quais fazem referência á referida Casa de Pedra, construída pelos franceses para guardar madeira e outros produtos retirados da costa de Nísia Floresta, os quais eram levados para a França. Atualmente a propriedade pertence ao dr. Silvino Lamartine de Faria.

A referida Casa Forte teria sido construída por volta de 1570, por iniciativa dos franceses, em pleno ciclo econômico do pau-brasil. A edificação teria sido feita para servir de aquartelamento e armazenamento de mercadoria (penas de avestruz, âmbar, algodão, peles, pimenta, aves, essências, pedras preciosas etc). O pau-brasil ficava armazenado em galpões, no pátio externo daquela casa de pedra.

Os estudiosos chegam a essa suposição a partir de uma correspondência dirigida pelos filhos do donatário João de Barros, ao rei de Portugal, reclamando providências contra a presença francesa na capitania que lhes coubera por herança paterna. Informavam ainda que os franceses “todos os anos vão a ela carregar pau-brasil por ser melhor de toda a costa. E fazem já casas de pedra em que entram em terra fazendo comércio com o gentio”
 
Esse documento, sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN, integra um acervo raro e manuseado somente por especialistas. Logicamente que a elucidação de detalhes sobre esse patrimônio poderá ser feita a partir de uma pesquisa arqueológica no local, mas isso ainda não aconteceu.

Considerando-se os fatores econômicos que determinariam a construção dessa casa de pedra, é claramente provável que se trate do único vestígio concreto de traficantes franceses no litoral potiguar. Sabe-se que no início do século XVI os franceses viviam fincados na costa potiguar, principalmente nessa área que viria a se tornar o município de Nísia Floresta. Na época o local era chamado de “Porto de Búzios”, mas que na verdade era a barra do rio Piranji. 
 
A julgar tela intensidade da movimentação, é natural que aquele freqüente movimento de escambo exigisse a construção do armazém com a finalidade de ali serem guardadas as mercadorias. Sobre isso Luís da Câmara Cascudo (1954) escreveu: “Em 1597, Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, flagrou no Porto de Búzios, sete caravelas recebendo carregamento de pau-brasil por traficantes franceses, prática esta iniciada décadas antes”. Esse número elevado de embarcações dá ideia da quantidade surpreendente de árvores retiradas da costa potiguar e permite-se deduzir que fazia-se necessário realmente um lugar para armazenamento antes do embarque. Em 1587, o Porto de Búzios era o mais importante entreposto comercial da Capitania do Rio Grande.
 
A Casa de Pedra de Piranji do Sul, segundo Nesi, é uma construção de alvenaria de pedra e cal. Apresenta um partido de planta retangular, com 23 m de cumprimento e 14,69 de largura. Apesar de encontrar-se em estado de ruínas, ainda apresenta trechos inteiriços de paredes que mantém uma altura constante com um pé-direito de três metros. Supõe-se que sua cobertura tenha sido de quatro águas.

A distribuição interna da casa é constituída de três amplos cômodos: salão dianteiro com 13,37 m de frente por 5,13 m de fundos, um salão intermediário com a mesma largura do primeiro por 10,15 m de fundos. No salão intermediário, há vestígios de alicerces de outras paredes que dividiam o cômodo ao meio, por uma circulação central.

Esta curiosa construção, que não possui mais esquadrias nem coberturas, e nunca foi revestida de reboco, apresenta peculiaridades que merecem estudos mais profundos. É o caso de um determinado espaço, o qual os arquitetos denominam “seteiras”, os quais se afunilam da face externa das paredes até o interior, recurso bastante utilizado nas edificações antigas, principalmente na arquitetura militar, cujo objetivo era a defesa do prédio.
 
A distribuição daquelas seteiras não segue nenhuma relação de ordem. As portas também apresentam larguras variadas (entre 1m a 1,10 m). A casa é vazada por muitas janelas e possui um nicho na parede dos fundos.
 
Verifica-se nessas seteiras a presença de arcos abatidos em todas as envazaduras, cujo emprego no Brasil somente verifica-se a partir do século XVIII. Todavia, tem-se conhecimento da utilização desse tipo de arco em construções do século XIV, como é o caso da torre medieval de Alcofra, em Beira Alta, em Portugal.

Nota-se que a construção está situada em local estratégico, e foi erigida de forma a se permitir a quem estivesse do lado de dentro da casa ter ampla visão de possíveis invasores que se aproximassem externamente. As seteiras, nesse caso teriam fundamental utilidade, pois serviriam de ponto estratégico de ataque aos intrusos – que deveriam ser muitos.

Em meados do século passado grande parte das pedras que formavam as paredes do prédio foi retirada para as obras da construção de uma capela, na localidade Alcaçuz, conforme me contou o vereador Pedro Mesquita, morador de Alcaçuz. O proprietário do Sítio dos Coqueiros, dr. Silvino, proibiu tal prática, evitando, assim, a destruição da primitiva casa de pedra.

Apesar de abandonada e exposta às intempéries, a casa de pedra continua resistindo, podendo significar o registro da primeira obra arquitetônica do Rio Grande do Norte. OBS. A casa de pedra de Piranji do Sul não pode ser confundida com o engenho onde houve um massacre após o massacre de Cunhaú. Esse se deu em Barra de Tabatinga, conforme farta documentação que menciona esse topônimo como o engenho onde se deu o fato.

ESTRADA COLONIAL DE PAPARI – POVOADO DE CURURU – TOPONÍMIA: UM CONTEXTO PARA A COMPREENSÃO DA HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA E SÃO JOSÉ DE MIPIBU NOS SÉCULOS XVI A XIX.



 Por Luís Carlos Freire – Outubro/2000.

A história das estradas é tão antiga quanto à história do homem. Elas antecedem a era cristã, pois desde os primórdios a humanidade necessitou caminhar de uma região para outra em busca de interesses diversos. Quando Abraão (c.2000 a. C.) guiou o seu povo para a Terra Prometida, deixou a Caldéia e empreendeu viagem a Canaã para dar origem ao povo de Deus. Para realizar tal façanha Abraão abriu um novo caminho, até chegar à região desconhecida.
O surgimento de uma estrada ocorre a partir de um objetivo, no qual estão implícitos a necessidade de sobrevivência, o espírito aventureiro e a curiosidade natural do homem de buscar o desconhecido. Os povos nômades tinham como tradição permanecer um período em determinada região, e quando entendiam que esta estivesse estagnada pela exploração, deixavam-na em busca de novas terras. Dessa forma, abriam picadas no interior das matas aparentemente inacessíveis, vencendo animais selvagens, peçonhentos e os acidentes geográficos, sem imaginar que os resquícios de alguns desses caminhos transformar-se-iam, no futuro, em estradas, e que muitas delas seriam aproveitadas por colonizadores que um dia chegariam naquela localidade.
Isso aconteceu também em nosso país, pois muitas comunidades indígenas eram nômades e acabavam construindo uma verdadeira malha viária no Brasil pré-cabraliano. Com o “descobrimento” do Brasil e a participação jesuíta, esses religiosos idealizaram os aldeamentos justamente para conseguir restringir as comunidades indígenas a um local específico, quebrando-lhes o hábito do nomadismo que tanta dificuldade trazia para a catequese católica. Com tal estratégia foram “aldeados” em São José de Mipibu os indígenas do próprio local, os de Papari e de outros locais. Nessa região, tal prática deu-se através dos padres Capuchinhos, pois só assim conseguiriam incutir-lhes a doutrina católica.
Para melhor compreensão sobre o surgimento das primitivas estradas, pode ser analisada a informação de MEDEIROS (1985, p. 90): “[...] Donos do litoral, os potiguares da nação Tupi alongaram os seus domínio desde os limites da Paraíba (Guaju), até o Ceará, na direção sul-norte. De Natal para o sul, no vale do Capió, pontificaram nos limites da praia dos marcos de Baía Formosa, os nomes de Pau Seco, Sorobobé e Ilha Grande, chefe que foram dos Paiaguás, que tiveram seus campos nos atuais municípios de Vila Flor, Canguaretama, Pedro Velho, Várzea e Espírito Santo; dos Jundiás, que ocuparam Lagoa Salgada, Vera Cruz e Bom Jesus; e os Guaraíras, que habitavam Arês, Nísia Floresta, São José de Mipibu, Macaíba, Parnamirim, até Januário Cicco.”Analisando essa geografia indígena, supõe-se a existência de caminhos primitivos no litoral. Nesse caso, o autor refere-se aos domínios dos Potiguares numa extensão entre o Ceará e a Paraíba. Esse mesmo raciocínio pode ser considerado para refletir-se sobre a região litorânea do Brasil e, obviamente, das três Américas, cada uma com suas nações indígenas, tendo em vista que esses continentes já eram habitados há milhares de anos.
Diante disso, faz-se necessária uma análise aprofundada sobre o primitivismo humano em terras brasileiras, e em especial, nesse caso, na região entre Natal e as proximidades com a Paraíba. Abre-se um leque de hipóteses sobre a origem das comunidades indígenas, inclusive os caminhos construídos pelas mesmas. No caudal dessas discussões surgem até mesmo lendas – ou o que, até então é entendido dessa forma –, pois há quem defenda a ideia de que povos fenícios, já estiveram por aqui muito antes de Cristo, inclusive alguns deles no Rio Grande do Norte.
Existem teses, inclusive, que defendem a possibilidade de Pedro Álvares Cabral, ter chegado ao Brasil de posse de informações escritas antes de Cristo, conforme diz BRANCO (1971, p. 55) “[...] Foi Pedro Álvares Cabral quem descobriu o Brasil em 1500 (d.C.) ou navegadores Fenícios em 1100 (a. C.)? Cabral o terá descoberto por acaso, como narram os compêndios de histórias, ou ele já conhecia, detalhadamente, a descrição feita pelo historiador grego Diodoro, ao século I antes de Cristo, na sua História Universal?”. De acordo com alguns estudiosos, muito antes de Cristo algumas civilizações primitivas dominavam talentosamente a arte da navegação.
Fazem-se necessárias discussões sobre o assunto, inclusive sobre as intrigantes inscrições tidas como fenícias da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, datadas de 2800 anos a. C.
Robert Marx (Folha de São Paulo, 23.09.1982), norte-americano, mergulhador profissional e arqueólogo, considera o Brasil “o país mais rico do mundo em pesquisa arqueológica marinha”. O pesquisador fez questão de ir ao Rio de Janeiro para analisar ânforas encontradas em 1977 na Baia da Guanabara, RJ, atribuídas aos fenícios. PESQU. Mas esse assunto foge da proposta desse texto.
A inexistência de material historiográfico no município de Nísia Floresta, São José de Mipibu e região – fruto da falta de educação de muitas autoridades que tem passado pelo poder – somada à falta de pesquisas e investigações sistemáticas por parte de órgãos competentes, levam a população ao desconhecimento de episódios importantes do seu passado enquanto cenário de desbravamento durante as primeiras décadas do descobrimento do Brasil. Os resquícios da estrada colonial entremeada com o centro de Papari (Nísia Floresta) e o litoral, passando por Cururu, a qual interligava-se com diversos pontos do país, é um exemplo digno de estudos aprofundados, e pode ter sua origem no contexto do nomadismo tratado anteriormente, podendo ter sido aproveitada pelos portugueses quando aqui chegaram.
Após o descobrimento do Brasil, houve um arrastão encampado pelos portugueses à procura de ouro e outras riquezas, inclusive no Rio Grande do Norte. O país passou por trezentos anos de isolamento por parte de outras nações, embora alguns países conseguiram furar o cerco e chegar ao Mundo Novo e explorar pau-brasil. Sabe-se que em 1501, Gaspar de Lemos veio ao Rio Grande do Norte, a mando do Rei de Portugal para oficializar – ou pelo menos tentar – o domínio português. Foi chantado no solo de Touros, região situada no litoral norte de Natal, na chamada Região do Mato Grande, o primeiro marco português no Brasil. Logo em seguida teve início a abertura das primeiras picadas, aproveitando os primitivos caminhos para dar vazão ao enxame de portugueses esganados que faziam dessas veredas, verdadeiras quinta avenida, ávidos por interesses diversos.
As informações sobre o Brasil eram guardadas sob sete chaves pela maioria dos portugueses, os quais visavam impedir que outras nações tomassem conhecimento das riquezas aqui existentes, pois grande era a curiosidade do Velho Continente. Mas como nem todos possuíam os avanços náuticos dos lusitanos – sofisticados para a época – poucos arriscavam-se a navegar pelos perigosos e lendários mares. Em 1504, franceses PESQ. fizeram incursões pelo litoral brasileiro e passaram a explorar pau-brasil durante décadas, escondidos ou sob a cumplicidade de muitos portugueses corruptos.
Para atingir os seus objetivos, os lusitanos cuidaram de preparar terreno, conquistando as comunidades indígenas com quinquilharias trazidas do Velho Mundo e trocadas por madeiras nobres, essências vegetais, especiarias, minérios baratos, objetos indígenas, animais e outros. A mesma surpresa que a civilização de Pindorama (País das Palmeiras) sentiu com os souvenires portugueses foi sentida em Portugal, ao receber esses exóticos produtos e as notícias de que por aqui existiam milhares de pessoas nuas pelas matas, vivendo de forma selvagem.
Logo após o descobrimento, os portugueses começaram a desenhar os primeiros mapas e cartas náuticas com o intuito de facilitar a movimentação dos empreendimentos que sucederiam-se. Inicialmente pelo litoral, e depois, pelo interior do país.
Caravelas portuguesas e francesas atracavam na região a qual está situada o município de Nísia Floresta, no porto de Búzios, e retornavam para a Europa, abarrotadas de pau-brasil. Milhares de búzios (cypraea moneta, linneu) foram levados para a África, onde serviam de moeda. Era uma festa. Os portugueses queriam apenas vantagens, relegando as comunidades indígenas a meros selvagens sem discernimento. Em 1564, Antonio Pinheiro, procurador de João de Barros, arrendou trechos de terras para corte de pau-brasil e colheita de búzios na praia homônima.
O Rio Grande do Norte viu seus mares tornarem-se pequenos para as esquadras provenientes do Velho Mundo. As comunidades indígenas surpreendiam-se com os objetos estranhos chamados de “caravelas” e “naus”, navegando mansa e silenciosamente pela costa potiguar, atracando também em Touros, Ponta Negra, “Pirangypepe” e Barra de Tabatinga, numa precursora ação de tráfico de madeira em terras brasileiras.
Num alvará datado de 1561, assinado pelo rei de Portugal, o porto de Búzios até então era denominado “Pirangypepe”, depois “Pyrangipe”, em língua tupi aportuguesada. Não se tratava da atual praia de Pirangi. Somente mais tarde houve a diferenciação, na qual a praia vizinha passou a ter esse nome.
Em 1570 os holandeses construíram em Pirangi uma imensa casa de pedra para guardar madeira e outros produtos, cujas ruínas ainda resistem. A estrada colonial contempla a primitiva construção. Entre 1571 a 1580, os cartógrafos Fernão Vaz Dourado e Jaime Cortesão organizaram vários mapas, nos quais aparecem nomes conservados até hoje, salvo pequenas diferenças de grafia, como Piranji, Tabatinga, “Camarapim”, lagoa Papary e rio Pirangi, onde era explorado o pau-brasil.
Em 1587 Gabriel Soares de Sousa, descrevendo a seção de terra entre o Cabo de São Roque e o Porto de Búzios, em seu “Tratado Descritivo do Brasil”, cita diversos pontos onde os franceses retiravam pau-brasil, dentre eles, Búzios e Tabatinga, em Nísia Floresta.
Há registros de que, em 1597, Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, flagrou no Porto de Búzios, sete caravelas recebendo carregamento de pau-brasil por traficantes franceses, prática esta iniciada décadas antes. Esse número elevado de embarcações dá ideia da quantidade surpreendente de árvores retiradas da costa potiguar.
Pouco depois, a Holanda lançou o seu olhar de cobiça ao Brasil, precisamente em 1621, quando comerciantes desse país, com a cumplicidade temporária de alguns portugueses – diga-se de passagem – passaram a dominar a navegação para o Brasil, graças a um intenso contrabando estabelecido por testas de ferro com origem no Porto e em Viana do Castelo, em Portugal. À época, quinze mil toneladas de açúcar chegavam aos países baixos, provenientes do Nordeste brasileiro.
Em 1624, com a intenção de tomar o domínio português, os holandeses invadiram a Bahia, mas fracassaram. Em 1630, invadiram Pernambuco e Paraíba, permanecendo ali em constantes conflitos. Nesse mesmo ano mandaram o holandês Adrien Verdonck espionar o Rio Grande do Norte, invadindo-o, quatro anos depois, quando dominaram a Fortaleza dos Reis Magos e mudaram o seu nome para Forte Keulen, e Natal para Nova Amsterdam (1633 a 1654).
Em 1637 chegou ao Brasil o militar e administrador holandês Johan Mauritz van Nassau-Siegen (1604-1679), o famoso “Maurício de Nassau”. Homem culto e visionário, o qual trouxe Georg Marcgrav (1610-1644) que tornaria-se autor dos primeiros mapas do Brasil, Willen Piso (ambos cientistas naturais), e Frans Post, Albert Eckhout e Zacharias Wagener, pintores retratistas. É iniciado um período de reconstrução em Recife e Olinda com inovações na arquitetura e no urbanismo. Durante esse período Marcgrav empreendeu várias expedições pelo Nordeste, em caráter cartográfico, inclusive esteve na Fortaleza dos Reis Magos e obviamente percorreu toda a costa do Rio Grande do Norte, pois a representou em mapas com a mesma característica atual. Os holandeses, diferentemente das relevantes contribuições dadas a Recife, nada fizeram de interessante entre Natal e Arês, áreas estas vasculhadas por eles, exceto elaborar importantes registros e mapas.
Num documento datado de 1607, provavelmente escrito pelo jesuíta Gaspar de Samperes, a região de Nísia Floresta é mencionada como “Uparari” e “Ipapari”, embora não refira-se exatamente ao povoado, mas a lagoa (ou rio) Papary. Diante disso é possível supor que o nome da localidade Papary (hoje Nísia Floresta) veio depois, numa alusão a sua paradisíaca lagoa.
Em 1640, o padre Manoel de Moraes registrou a lagoa Papary com o nome de “Para-Wassu”. Em 1643, Marcgrav a registrou como “Paraguaçu”. A cartografia de Marcgrav nomina várias localidades que hoje encontram-se em área nisiaflorestense, como “Piranhi” (Pirangi), Barra de Tabatinga, Camurupim, “Búsios” (Búzios) e “Upari” (Papary). Observando esse mapa, constata-se uma estrada que ligava Pirangy ao engenho de João Lostau Navarro, em Barra de Tabatinga; a partir daí seguia rumo ao sudoeste. Entre as lagoas “Ipuxi” ou “ipu-xim”, depois “Puxi” (atual lagoa do Bom Fim). Logo a seguir chegava-se á margem esquerda do rio Trairi.
Atravessando-a contornava-se a atual lagoa Papary, pelo lado oriental, procedendo-se da mesma maneira com relação à lagoa de “Guiraraira” (Guaraira) em Arês, até chegar ao Engenho Cunhaú. Marcgrav aponta também o local “Cururu-açu”. Será o antigo povoado de Cururu, localizado em Campo de Santana? É possível, pois pesquisando antigos mapas e topônimos indígenas do Rio Grande do Norte, não encontra-se outro Cururu nessas proximidades. Câmara Cascudo informa que em 1676 havia a lagoa “Paraguaçu” e o rio “Papari”, elementos naturais distintos.
Sobre o vocábulo “Papary”, na realidade, é uma criação do homem branco, o qual fez uma mistura (a seu modo) com os vocábulos de língua tupi: “pari”, “ipa” ou “upa”. Não existe o vocábulo “Papary” em língua indígena, assim como não existe o vocábulo “mipibu”. Ademais, boa parte dessas palavras indígenas, registradas por europeus em velhos documentos, eram escritas “de ouvido”, ou seja, conforme escutavam os índios ou os próprios portugueses pronunciá-las. É por isso que existem tantas formas parecidas e com acepções confusas.A propósito, o nome Papari aparece tanto com “i” quanto com “y” ao longo de históricas referências documentais.
Retomando o contexto das estradas, CASCUDO (1954, p. 88), referindo-se aos municípios dominados pelos holandeses (Canguaretama, Goianinha, Arês, São José de Mipibu, Papary, Natal Macaíba, o antigo São Gonçalo e o vale do baixo Ceará-Mirim), escreveu:
“O mapa de Marcgrav, que é mais informativo, dando até os itinerários desde Sergipe, registra a B. de Paba, que é a Baia de Genipabu, de Domingos Martins ou Martins Thyssen [...] Pelo interior dos municípios possuídos pelo holandês, ia-se até Piquiri, Pedro Velho, toda a redondeza das lagos de Guaraíras, Papeba e Paraguaçu (Papari) e São José, várzeas de Jacu, Baldum, Sapé, Capió, tabuleiros para Cajupiranga, Pitimbu e Natal, incluindo os vales úmidos de Maxaranguape”.Vê-se nessa descrição o início do itinerário informando Sergipe, assinalando a existência da estrada aqui tratada. Mais adiante complementou “A região mais povoada e trabalhada pelo flamengo foi o agreste, Natal até Canguaretama, perto dos rios torrenciais, população mais ou menos garantida pela proximidade das guarnições holandesas, comboiadoras dos produtos para Recife, embarcando-se para Natal e nos portos da embocadura dos rios (Pirangi, Camurupim, Barra de Cunhaú) para a cidade maurícia. Todo o sertão constituiu mistério, rasgado durante a guerra dos cariris, na década final do século XVII” (op. cit. p. 89).Refletindo sobre tais mapas e referências é possível imaginar que por aqui existia um complexo de caminhos que interligava-se com a estrada colonial do litoral, tendo em vista a exploração de produtos embarcados nos portos localizados em pontos distintos da costa potiguar. Tais vias logicamente não eram oficiais, consistindo em veredas que seguiam um curso definido, mas desconforme devido aos acidentes geográficos. Ademais, a Coroa Portuguesa proibia a construção de estradas. Sua autorização oficial viria trezentos anos após o “descobrimento”. Sobre isso, GOMES (2010, p. 193/4), referindo-se a um período da história do Brasil, informa que “[...] Sua construção estava oficialmente proibida por lei desde 1733, com a desculpa de combater o contrabando de ouro e pedras preciosas”. Se foi necessária uma lei específica para proibir a abertura de estradas no Brasil, certamente as mesmas estavam em clandestina proliferação. A abertura oficial foi autorizada em 1808, por D. João VI, ainda em sua escala em Salvador. Somente a partir daí rompeu-se o isolamento que vigorava entre as províncias. Em 1809 foi aberta uma estrada de 800 quilômetros entre Goiás e a região Norte do país e aberto novos caminhos entre Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo e o norte do atual estado do Rio de Janeiro.
Sobre a região de Papary, a cartografia de Marcgrav mostra uma curiosa ramificação de caminhos ligando Cururu a Malembá (em Georgino Avelino), rumo à Paraíba, pelo litoral. Esse último trecho, diferente dos demais, encontra-se muito evidente. Porém, alguns trechos, inclusive um adquirido recentemente por europeus, exatamente a fazenda que pertenceu a Domício Andrade (entre Camurupim e Barreta), encontra-se com o trânsito interrompido por porteiras com cadeados, valas e troncos de coqueiro, numa clara manifestação de impedimento intencional. Como pode-se constatar, trata-se de uma das mais antigas estradas do Brasil.
Quando Marcgrav elaborou tais mapas, logicamente documentou o que viu. Isso permite-se acreditar que tal estrada era trilhada por europeus nas primeiras décadas do século XVI e pode ter sido caminho dos nativos.
Em 1974, o antigo povoado de Cururu ficou submerso durante inverno intenso e rigoroso, forçando os nativos a procurarem terras mais altas. Após a famosa “cheia de 74”, a qual trouxe conseqüências sentidas até hoje, o local foi abandonado, mas ainda conserva resquícios de um conjunto secular, destacando uma capela colonial, um cemitério em ruínas, e túmulos com características interessantes. O ponto de apoio dos que deserdaram o velho Cururu deu origem ao atual distrito de Campo de Santana, um dos mais povoados de Nísia Floresta.
Cururu resiste, inexplicavelmente ignorado – ou desconhecido – pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Fundação José Augusto (FJA). O local pode ser celeiro de importantes descobertas, tendo em vista provavelmente consistir num sítio arqueológico. A resistência das ruínas de Cururu em não desaparecer de vez, talvez sinalize o grito silencioso da história, cujas investigações pertinentes poderão explicar as origens do município de Nísia Floresta. Faltam apenas olhos de especialistas e ações institucionais.
A julgar pela cartografia e a óbvia movimentação ocorrida nessa estrada entre os séculos XVI a meado de XX, não seria peripécia supor a possibilidade de o povoado de Cururu ser muito mais antigo que o próprio centro da cidade de Nísia Floresta, considerando que seu monumento mais antigo – a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó – “Já aparece nos assentamentos eclesiásticos remanescentes, em 1727” (FILHO, 1991, p. 42) –, ou seja, 16 anos após o mapa de Marcgrav.
Cururu originalmente teria surgido como estalagem? De quem? Portugueses, franceses, holandeses ou dos próprios nativos? Por situar-se às margens da referida estrada colonial, pode ter funcionado inicialmente como ponto de descanso de viajantes, dando origem à povoação, conforme surgiram tantas cidades brasileiras. Ademais, não é difícil supor que tal estrada fosse apenas um trecho que serpenteava todo o litoral brasileiro, unindo o Amapá ao Rio Grande do Sul pela costa brasileira. A origem dessa estrada seria uma picada aberta pelos índios que habitavam Pindorama? Cururu teria surgido de uma aldeia indígena?
O presente estudo, além de trazer à tona esse assunto pouco conhecido, deve chamar a atenção de todos os potiguares, principalmente autoridades do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, e da Fundação José Augusto, de Natal, e os próprios nisiaflorestenses, os quais, por ignorarem aspectos importantes da sua história, deixam de imporem-se como responsáveis por esse cenário histórico, digno de preservação, revitalização, divulgação e decente exploração turística.
A Estrada Colonial de Papary, se recebedora do estudo necessário e políticas públicas voltadas para o turismo histórico, cultural e natural, poderá ter representatividade similar às famosas Estradas Coloniais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, e dessa forma terá autoridade para legitimar-se como uma das mais antigas estradas do Brasil. Isso atrairá o turismo e possibilitará projetos educacionais junto a diversas instituições, inclusive educacionais. E, mais importante, explicará as raízes desse lugar, até porque um povo que não identifica o seu passado não tem identidade. Um povo que não preserva a sua história não tem valores. O patrimônio, seja material ou imaterial, é o retrato do tempo e mostra quem somos.
Este estudo é apenas uma camada sutil, retirada de sobre um profundo poço de curiosidades históricas de nossa região. Esse poço – região – precisa ser cavoucado.
Segue, abaixo, os significados dos topônimos indígenas, exceto Baldum, empregadas neste texto:
- Baldum: Não é vocábulo indígena.
- Cajupiranga: (“acaiú-piranga”): o caju vermelho.
- Camurupim: “acamoro-pim”: ter a cabeça dura, rija (nome de uma das praias de Nísia Floresta);
- Canguaretama: caá-guá-retama”: no vale das matas, onde há muitas árvores. Obs. caá: mata; guá: vale; retama: sufixo exprimindo abundância.
- Capió (“caa-pió”): A goma da planta, goma da árvore. GRILO (1998, p. 177), sem apresentar a referência, diz “cai-pió”, e apresenta a mesma interpretação acima.
- Cunhaú (“cunhã-u”): bebedouro, aguada das mulheres.
- Cururu-açu: (sapo grande).
- Guaraíras:- Ipuxi: “ipu-xim”: a fonte, o manadouro brilhante, faiscante, pelo aspecto das águas transparentes. Até 1863 chamavam-na apenas lagoa “Puxi”, até que nesse ano Frei Serafim de Catania mudou o nome para lagoa do Bom Fim.
- “Ipa” ou “upa”: lagoa;
- Jacu: (“iacu”): esperto, cuidadoso, desconfiado (é uma ave do gênero Penélope).
- Jundiás: (“iu-ndi-á”): a cabeça armada de barbatanas (é um peixe de água doce (“Playstoma Spatula).
-Macaíba: (“macá-iba”): árvore da macaba (Palmeira: acrocomia sclerocarpa, Conhecida também por “coco de catarro” pela viscosidade da polpa comestível).
- Maxaranguape (“mboi-cinung-gua-pe”): no vale ou na baixa da cascavel. (Maxaranguape era originalmente “boixununguape”). Câmara Cascudo também apresenta este vocábulo como “mboi-xinun-gua-pé).
- Mipibu: (“mpi-pu”): o que surge, emerge, inopinado, súbito (alusão à fonte do rio, brotando do seio de um bosque (É o rio da bica). Obs. Câmara Cascudo traz também a seguinte interpretação feita por Teodoro Sampaio: “o saco de couro para conduzir água, a borracha dos nossos comboiemos”. O historiador potiguar faz críticas a essa tradução de Teodoro Sampaio, alegando que “nossos indígenas não conduziam água em odres. Foi processo trazido pelos portugueses”. E reforça a primeira interpretação acima, dizendo que sua tradução vem “talvez de ‘mbi-mbu’, o que surge, emerge, inopinado, súbito (alusão à fonte do rio, brotando do seio de um bosque)”. Antigos documentos trazem as grafias “Mopobu” e “Mepebu”. Em 1630, Adriano Verdonck registrou o local (aldeia) como “Moppobu”. Em 1639, Adriano van der Dussen, referiu-se ao local como “Mompabu”. Em 1640, o padre Manoel de Moraes o registrou como “Mopebi”. Em 1643, Marcgrave o registrou como “Mopebi”. Em 1645 realizou-se uma assembléia de índios em Goiana, PE, estando presentes representantes dessa região, o local foi referido como “Monpebú”. Uma relação de 1756, elaborada pelo Senado da Câmara de Natal informa o local como “Mopebú”. Em 1689, o mesmo Senado da Câmara de Natal referia-se ao local como “Mepebu”. Existem outras versões sempre parecidas. Fica a reflexão do texto, tendo em vista que esses topônimos foram primitivamente registrados por europeus, e não os donos da língua indígena. Cada um escrevia o que entendia. E essas variantes foram se avolumando segundo a criatividade de cada um.
- Paba:
- Paiaguás:- Papari: (papã-ry”): rio encachoeirado, rio de contas, na versão de (GRILLO, op. cit). Tal versão é apontada pela autora sem menção de fonte, portanto não é possível saber para comparar, pois, como já foi dito, não existe o topônimo específico “papary” ou “papari”.
- Papeba (“ipá-peba”): lagoa rasa.
-Paraguaçu: rio grande; “pára-guá-açu”: grande enseada, baía dilatada, ampla. (nome original da atual lagoa Papari).
- Parnamirim (“Paraná-mirim”): o rio pequeno.
- Pindorama: país das palmeiras (nome que os indígenas chamavam as terras descobertas por Cabral).
- Piranji (“pirã-gi-pe”: rio das piranhas)
-“Pari”: armadilha de pesca. (É uma espécie de covo feito até hoje pelos pescadores).
- Piquiri (“piqui-r-i”): rio dos peixinhos.
- Pitimbu: (“potim-bu”): nascente, rio, manadouro do camarão).
- Tabatinga (“tauá-tinga”): barro branco.
- Trairi (“tarayr-y”): rio das traíras.
- Sapé (“eça-pé”): ver caminho, iluminar
- Sorobobé:
- Upapari/Ipapari: a lagoa do pari, cerca para prender peixes.
- “y”: água.
Luís Carlos Freire – Estudioso da história e da cultura do município de Nísia Floresta e região.Bibliografia: Mapa de Marcgrav. Cartografia Os Holandeses no Rio Grande do Norte – O Rio Grande do Norte na Cartografia do século XVI-XVII – História do Rio Grande do Norte, Manuel Ferreira Nobre (1877) – História do Rio Grande do Norte, Câmara Cascudo, 1955 - História do Rio Grande do Norte, Tavares de Lyra, (1982) – Os Holandeses no Rio Grande do Norte, Alfredo de Cravalho, 1906-1907 – Ludovico Schwennagen, As estações das antigas estradas que atravessam o Rio Grande do Norte e Paraíba (1901) – descrição das Capitanias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, Adrien Verdonck – Câmara Cascudo: Onde ficava o Engenho de João Lostau Navarro – Traslado de Auto de repartição das terras da Capitania do Rio Grande do Norte, no dia 21 do mês de fevereiro de 1614 – Minas de Ouro Preto no Rio Grande do Norte – Explorações Holandesas no século XVII, 1905 – Aires Casal: Corografia Brasílica ou Relação Hitórico Geográfica do Reino do Brasil – José M. B. Castelo Branco – O Rio Grande do Norte na Cartografia do Século XVI – Nomes da Terra, Luís da Câmara Cascudo, FJA, 1968. Goianinha no contexto histórico da província, 1998, Maria Simonetti Gadelha Grillo. FILHO, Olavo de Medeiros, Terra Natalense, 1991, FJA.

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IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO Ó - NÃO TÃO ORIGINAL E PROTEGIDA COMO SE PENSA

IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO Ó - NÃO TÃO ORIGINAL E PROTEGIDA COMO SE PENSA


PATRIMÔNIO MATERAL DE VALOR INCALCULÁVEL CHAMADO NÍSIA FLORESTA


Detalhe do lustre e forro onde existia belíssimas pinturas sacras em estilo barroco.

O local onde se formou a cidade de Nísia Floresta fazia parte da doação de terra feita pelo 2º capitão-mor do Rio Grande do Norte, Jerônimo de Albuquerque, no dia 8 de março de 1610, e cujos beneficiários foram João Pereira e Miguel Pereira. A doação, no rio Capió, tomou nº 144 (FILHO, 1989).
O brabantino Adriano Verdonck, espião a serviço dos holandeses, em 1630, fazia menção à aldeia do Mopobu, muito refereida pelos cronistas que descreveram o período do domínio holandês (1630-1654) e a Guerra dos Bárbaros, ou o levante do gentio tapuia (1683-1720).
Desde o ano de 1689 já existia uma capela em Papary, local da primeira aldeia de Mipibu. Em 1703, o desembargador Cristóvão Soares Reymão providenciou a demarcação das terras dos índios da aldeia de Mipibu, onde já se encontrava a Capela de Nossa Senhora do Ó da Missão de Mipibu (do Papary, ou da Ribeira de Mipibu). Padres pertencentes ao clero secular cuidavam dos indígenas ali aldeados.
Em 1740, a Aldeia de Mipibu foi transferida para local distanciado de Papary, onde hoje encontra-se a cidade de São José de Mipibu. Papary, onde funcionava a velha Aldeia Mipibu, passou a receber a denominação de Povoação de Papary.
A primeira Capela de Nossa Senhora do Ó de Papary, evoluiu para a atual Matriz de Nísia Floresta, que ainda mantém o mesmo orago principal. Segundo o historiador Câmara Cascudo, o templo de Nísia Floresta foi concluído em 1755 com a ajuda dos Capuchinhos residentes em São José de Mipibu. A freguesia de Nossa Senhora do Ó data de 1833.
A igreja é um prédio de grandes proporções, desenvolvido em dois pavimentos e constituído de capela-mor, naves central e laterais, galerias superiores, coro, nave torres, sacristia, pia batismal, além de uma gruta onde encontra-se a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. A gruta foi elaborada defronte ao batistério, onde primitivamente existia uma máquina movida a carbureto, que fornecia energia ao templo. Desde a conclusão das obras, a Igreja de Nossa Senhora do Ó não sofreu modificações significativas, sendo beneficiada apenas com obras de conservação. O sino principal da igreja veio de Pernambuco, no ano de 1831 e foi instalado na torre direita, exatamente na envazadura frontal do prédio, batizado como “Sino de São Joaquim”. A torre possui mais duas envazaduras: na primeira, do lado direito, encontra-se instalado o “sino......” e na segunda, na parte detrás está instalado o “sino....” (MENOR/MAIOR).
Em 1858, a Assembléia Provincial autorizou a doação, por parte do governo, de 500$000 (quinhentos mil réis) para melhoramentos do templo. Ao longo dos anos, a igreja sofreu duas grandes restaurações. Na primeira foi recuperada a torre esquerda que ameaçava ruir. A outra, na administração do Cônego Rui Miranda (1953-1956), quando foi restaurada a capela-mor e abertas quatro arcadas onde existiam apenas duas portas. Na época dessa reforma foram encontradas muitas ossadas humanas nas paredes demolidas.
Em 1960, com renda arrecadada na festa da padroeira (14 a 17 de janeiro), o templo recebeu um vitral que encontra-se no Altar do Senhor Morto. Em 1977 o poder público municipal bancou uma pequena reforma substituindo o forro das naves por tabuados de ipê.
O templo não conserva mais o piso e o forro original. O forro da capela-mor, que originalmente era ornamentado por belíssimas pinturas sacras em estilo barroco, recebeu uma espessa camada de tinta a óleo, cobrindo todo o trabalho original. A fachada da igreja exibe um frontispício triangular com um pequeno óculo, ladeada por duas torres e arrematado por cornija. Possui três portas de acesso, em corpo central, superpostas por igual número de janelas rasgadas por duas portas e duas janelas. Verifica-se a presença de envazaduras nas torres, que possuem cobertura arrematada por cornija e coroada por pináculos. Apesar das modificações sofridas no templo, mantém-se fiel em seu aspecto original, exibindo exuberantes altares, caprichosamente trabalhados em estilo barroco.
O templo possui um valioso acervo de arte sacra entre altares e arcadas trabalhadas em madeira e ouro. A pia batismal em pedra sabão maciça veio de Portugal. Na sacristia está instalado um lavabo feito de argamassa e sangue de baleia, cujo pé de sustentação tem o formato de um indiozinho, esculpido em pedra-sabão por Dionìsio Gonçalves Pinto Lisboa, o pai da intelectual Nísia Floresta. A peça é adornada por duas colunas em alto e baixo relevo.
Em 1991 técnicos da Fundação José Augusto diagnosticaram apodrecimento do teto da igreja que poderia desabar a qualquer momento, comprometendo toda a estrutura interna da monumental construção do século XVIII.
A estrutura não suportava o pesa das telhas imensas e feitas à mão. O que pode ser mantido ficou como estava, referindo-se às telhas que recobrem a nave principal e o forro da capela-mor, feito em taipa e tela de arame. Os três sinos passaram por uma reforma em Recife. O maior estava rachado e foi recuperado pela Marinha do Brasil.
O que se percebeu na reforma ocorrida em 1991 é que esse rico patrimônio foi restaurado graças ao povo, o qual, motivado pelo administrador da Matriz à época, o diácono João Batista Chaves da Rocha, empreenderam o chamado “Mutirão Reconstruir”, no qual a comunidade angariou fundos para a obraque durou cerca de um ano e meio. Em 1992 foi reaberta aos fiéis.
Dentre o rico acervo destacam-se vasos de limonges, lâmpadas do Santíssimo em prata portuguesa, lustres em cristal puro, turíbulos em prata, castiçais e nichos em cedro puro e uma das mais curiosas peças da igreja, a imagem original da padroeira Nossa Senhora do Ó, esculpida em uma única peça de madeira maciça.
Outro elemento que chama a atenção trata-se de duas colunas em madeira maciça, as quais sustentam o andar superior do hall. Essas peças medem mais de três metros de altura e foram talhadas por escravos. Ambas passavam-se despercebidas durante séculos, onde pensava-se serem de alvenaria. Somente com a reforma descobriu-se tratar-se de madeira.
Em 2005, sob a administração do padre Inácio Henrique de Araújo Teixeira, foi instalado um nicho na nave direita para abrigar a imagem pequena de Nossa Senhora do Ó, ao lado do altar-mor, elemento este que não fazia parte do projeto original.
(VEJA, ABAIXO, O CONJUNTO COMPLETO ONDE FOI INSTALADO O NICHO. PARA QUEM NÃO CONHECE, APARENTEMENTE DÁ IMPRESSÃO DE INTEGRAR O CONTEXTO BARROCO DA IGREJA, MAS OLHANDO DE PERTO...)Para essa adaptação foram retiradas dezenas de pedras, as quais foram ali depositadas há séculos e não houve a preocupação de guardá-las, tendo em vista a sua simbologia histórica. Elas vieram de Morrinhos, transportadas por escravos sobre carros-de-bois.
Para a adaptação desse elemento decorativo não houve a convocação de arquitetos nem engenheiros da Fundação José Augusto, pois se tivesse havido a obra teria sido impedida, pois representou um dos maiores danos sofridos pela Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó nos últimos tempos, a julgar pelas leis que dizem respeito à intocabilidade desse patrimônio histórico.

(AS IMAGENS Nº 1, 2 e 3, ABAIXO, SÃO DO REFERIDO NICHO. A FOTO N 1 MOSTRA UM DETALHE FEITO COM CIMENTO. É UMA "FLOR", CUJA PESSOA QUE A CONFECCIONOU TENTOU TRANSPORTAR A BELEZA E A DESENVOLTURA DOS DESENHOS ESCULPIDOS EM CEDRO E FOLHEADOS A OURO QUE SE ENCONTRAM NO ALTAR-MOR. O RESULTADO FOI ESSA IMAGEM INDECIFRÁVEL). VEJA, LOGO DEPOIS, AS IMAGENS ORIGINAIS DA IGREJA, Nº 4, 5 E 6, AS QUAIS EXIBEM DETALHES EM ALTO RELEVO DO ALTAR-MOR, ESCULPIDAS EM CEDRO E FOLHEADAS A OURO. NOTA-SE A ELEGÂNCIA, E PRECISÃO NOS TRAÇADOS, APESAR DO DESGASTE DE TRÊS SÉCULOS DE EXISTÊNCIA.
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6Descaracterizar opatrimônio histórico não significa apenas desmanchar algum elemento do seu todo, mas anexar algo que não tem relação alguma com ele, como foi o caso da instalação desse nicho.
O referido elemento, observado de longe, aparenta fazer parte da arquitetura original da Matriz, principalmente pelo feitio que o nicho original de madeira empresta ao conjunto completo (uma peça de madeira com mais de duzentos anos), mas ao aproximar-se constata-se imediatamente a aparência vestuta, elaborada sem nenhum acabamento com desenhos de ramificações e rosas, em alto relevo, inspiradas nesses mesmos motivos do altar-mor. O conjunto completo causa estranheza aos visitantes, exatamente por perceber-se o amadorismo como foi elaborado.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, apesar de interferências como essa, e do descuido de alguns padres que por aqui passaram, conserva boa parte da sua essência original, mas não deixou de sofrer saques, promovidos tanto por religiosos que levaram-lhe alguns bens, como moradores que apossaram-se de mobiliários e elementos decorativos. A mesma experiência foi vivenciada pela “Casa das Freiras”, como é conhecida uma imensa e centenária residência onde viveram as Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, entre 1959 a 1989. A casa é um marco para o Brasil devido a experiência das “Irmãs Vigárias” e do início da “Campanha da Fraternidade”. Ambas encabeçadas pelo então arcebispo de Natal, Dom Eugenio de Araújo Sales.
Ao sairem do município, as freiras fizeram um levantamento de tudo o que deixavam na referida casa, incluindo-se louças antigas onde incluíam-se porcelanas inglesas, ornamentos religiosos antigos, enfeites e móveis centenários. Todo esse material ficou na referida casa, mas muito antes de o referido prédio ir à ruína, quase todos os bens deixados pelas freiras foram saqueados. Atualmente só existe um móvel antigo, o qual foi guardado na Casa Paroquial. LUÍS CARLOS FREIRE – AGOSTO DE 1996 – SETEMBRO DE 2010.

ANTIFONAS DE NOSSA SENHORA DO Ó

1ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 17/12
Ant: Ò sabedoria que saístes da boca do Altíssimo e atingis os confins de todo o universo e com força e suavidade governais o mundo inteiro, oh vinde ensinar-nos o caminho da prudência. Com o titulo “Sede da Sabedoria” a espiritualidade cristã aprendeu a honrar e invocar a Mãe do Senhor. Além disso a espiritualidade e a liturgia Católica sempre se serviram de textos sapienciais para aplicá-los a Virgem Maria na celebração de suas festas. Esses textos têm a finalidade de honrar a virgem como “Sede da Sabedoria”.
Mas que a Bíblia entende por Sabedoria? Se buscarmos uma resposta no Antigo testamento diríamos que a expressão privilegiada da sabedoria é a Lei de Deus dada a Moisés. Se buscarmos nossa resposta no Novo Testamento a expressão da sabedoria é Cristo – Deus feito homem.
No Novo testamento encontramos vários testemunhos de textos que relatam ser Cristo a sabedoria de Deus.
Notável e mais conhecido de todos é a passagem de I Cor 1,24.30, onde o Apóstolo afirma categoricamente: “Cristo é sabedoria de Deus”.
Também o evangelista São Lucas, no episódio de Jesus no templo (Lc 2, 40-52) apresenta Jesus pré-adolescente como expressão da sabedoria que vem de Deus. Para isso basta recordar algumas palavras da terminologia usada pelo evangelista, tais como: os substantivos “inteligência” (v. 47); “mestres” (v. 46); “graça” (v. 40. 52); “respostas” (v. 47); “coração” (v. 51). Assim se pode concluir que Cristo é a sabedoria saída da boca do Pai através de quem tudo é criado e passa a existir. Assim São Lucas nos apresenta Jesus no templo entre os doutores.
Se Jesus é a sabedoria criadora do Pai que dá existência a todas as coisas por que Maria é também saudada com o título “O’ Sabedoria”! ?
Quando chegou a plenitude dos tempos e Deus, em Cristo, quis recapitular e resgatar toda a sua criação manchada pelo pecado, tudo aquilo que havia revelado ao povo de Israel, herdeiro da promessa, torna-se herança de Maria.
Maria através do seu “sim” no momento da anunciação, aceita servir ao desígnio de Deus Salvador. A partir deste momento no qual, Maria dá adesão total ao plano de Deus, a historia de Jesus é também a história de Maria. Os acontecimentos da vida de Jesus, bem como as Palavras de Jesus tornam-se imediatamente motivo de meditação e contemplação para a Virgem Maria, sua Mãe. De fato, em todos os acontecimentos do nascimento de Jesus, cercados de tanta gente, Anjos, sinais dos céus, Maria não pronunciou nenhuma Palavra. Apenas contemplou em silencio para beber daquela sabedoria de Deus que é Seu Filho, Jesus, o qual deitado na manjedoura a extasiava e a mergulhava no ministério de Deus.
Maria, na contemplação do Filho, fruto do seu ventre e do Espírito Santo, refaz todo o caminho de fé realizado, na história pregressa, pelo seu povo, na busca de compreender a sabedoria de Deus, é na contemplação das escrituras que Maria descobrira, na penumbra da fé, sua missão ao lado do Filho, Sabedoria eterna do Pai.

O Evangelho nos diz que, diante da Palavra de Cristo, Maria assume duas atitudes:
1- Guardava a Palavra no seu coração.
2- Meditava a Palavra em seu coração

Para a Sagrada Escritura, para quem a sabedoria consiste em descobrir a vontade de Deus e andar por seus caminhos, a atitude Maria, de reter e meditar as palavras de Jesus, é atitude característica do sábio. Por isso com razão a Ela se pode atribuir com justiça nosso louvor que a proclama, junto com Jesus – “Ò’ Sabedoria...!” Eis pois aqui o dinamismo da fé de Maria: recordava a Palavra em seu coração para aprofundá-la e para atualizá-la. Enquanto o Filho crescia a Mãe, com olhos vigilantes Vivia, guardava, meditava suas palavras e crescia na fé e na sabedoria.
Portanto para concluir podemos dizer que é justo que invoquemos a Virgem Maria como a “Sede da Sabedoria”. Ela o é de fato e, em dois sentidos: no sentido biológico, pois trouxe em seu ventre o Filho de Deus. Fazendo da Palavra um objeto de amorosa estima guardava-a no íntimo do coração buscando captar o seu sentido mais profundo. Segundo o ensinamento do próprio Jesus a bem-aventurança de Maria não consiste tanto em haver dado à luz o Filho de Deus, mas sim em dar adesão incondicionada, pela fé, à Palavra de Deus. É a fé na Palavra de Deus que a torna Mãe de Jesus.
Se a sabedoria consiste em descobrir a vontade de Deus respondendo positiva e incondicionalmente à sua Palavra, o “SIM” de Maria, o seu “Faça-se em mim segundo a vossa Palavra”, é prova inconteste de que Ela ocupa o primeiro lugar entre os sábios, Ela é a sede da sabedoria. Ela pode, com justiça, ser louvada juntamente com o Filho e ser por nós aclamada: Nossa Senhora do Ò, Mãe da Sabedoria Eterna do Pai, rogai por nós.
2ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 18/12

“O’ Adonai, guia da casa de Israel que aparecestes a Moisés na sarça ardente e lhe deste a vossa lei sobre o Sinai vinde salvar-nos com o braço poderoso”.
Foi o próprio Deus quem revelou seu nome ao seu povo de Israel, um dia no Monte Horeb. Aquele que sempre se chamara até agora o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, O Deus de Jacó, revelou seu nome a Moisés, “Eu sou quem sou” ou “Eu sou aquele que é”. Na língua Hebraica – YAHWEH (Javé, traduzido em português), o nome de Deus – “Aquele que é” significa um Deus eterno, que não tem passado e nem futuro e significa um Deus presente na história dos homens caminhando com seu povo. Ele é YAHWEH!
Deus revelou o seu nome para que o adorem e o sirvam e o invoquem sob o seu verdadeiro nome. O livro do Êxodo em 34, 14 diz: “Javé é ciumento de seu nome”. Invocar o nome de Javé é já render culto a Ele, orar a Ele. Quem invoca o nome de Javé, invoca o próprio Deus. Por isso, devido ao fato de que Deus se identifica com seu próprio nome, nunca se deve tomar o Santo nome de Deus em vão (Ex 20,7; Dt 5, 11). Ofender o nome de Deus é ofender o próprio Deus.
O povo de Israel, nos momento mais cruciais de sua história, sentiu o poder do nome de Deus. A invocação desse nome realizou prodígios e milagres em favor do seu povo. Pelo poder do nome de Deus o povo salvou-se da morte e do extermínio, por inúmeras vezes. Também o desrespeito no nome de Deus, às vezes tomado em vão, acarretou para Israel muita dor e sofrimento.
Israel aprendeu, através dos tempos que o Deus tão perto, que caminha com seu povo, é o Deus transcendente, inefável, onipotente e imutável. Seu nome precisa ser honrado, amado, cultuado e reverenciado. Por isso, no seu zelo por não ofender o nome três vezes Santo, Israel passou a não pronunciar mais o nome Santo YAHWEH (JAVÉ). Assim não corria o perigo de tomá-lo em vão e ofender a Deus. Israel passou a chamar o seu Deus de “ADONAI”. Adonai quer dizer “O SENHOR”. Israel descobriu que com justiça seu Deus poderia ser assim chamado pois ele é o Adonai, o Senhor do céu e da terra. Tudo é obra de sua mão e tudo a ele pertence.
Jesus encarnando-se no seio da Virgem Maria e vindo a esta terra revelou-se a si mesmo como sendo o Filho de Deus e deu a conhecer a seus discípulos o nome de Deus. Fez-lhes conhecer que o nome que melhor exprime o ser de Deus é o nome “PAI”. O Deus de Jesus Cristo deve de agora em diante ser chamado de Pai, pois tanto Jesus como todos os seres humanos são seus filhos.
São Paulo através de sua carta aos Filipenses, nos ensina que o Pai, ao ressuscitar Jesus os mortos, o fez sentar-se à sua direita, dando-lhe um Nome que esta acima de todo nome (Fl 2,9). Apesar de ser um nome inefável ele pode ser traduzido por Senhor. Pela elevação que o Pai deu a seu Filho ao ressuscitá-lo dos mortos, constituiu-o Senhor, Adonai, pois a Jesus ressuscitado convém o mesmo nome de Deus (Fl 2, 10s). os Discípulos experimentaram o poder deste nome, Adonai ou Senhor dado a Jesus ressuscitado. Invocando este nome eles curam os doentes ( At 3, 6; 9, 34), eles expulsam os demônios (Mc 9, 38; Lc 10, 17; At 16,18; 19,13); eles realizaram toda a sorte de milagres (Mt 7,22; At 4,30).
A fé cristã consiste em crer que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos, confessar que Jesus é o Senhor, invocar o nome do Senhor Adonai.
Os primeiros cristãos se identificam como aqueles que invocam o nome do Senhor (At 9,14.21; I Cor. 1,2; II Tm 2,22). Esse Senhor, Adonai é Jesus ressuscitado, em cujo nome o Evangelho é anunciado para a salvação. O senhorio de Jesus Cristo deve ser pregado para todos os povos até o final dos tempos.
Assim os cristãos aprenderam a invocar Jesus como o Adonai. O Senhor dos tempos e do universo, o Nome poderoso que Deus elevou acima de todo Nome com a ressurreição.
Esse Jesus exaltado acima de todo nome, acima de toda criatura dos céus, da terra e dos infernos, fez-se homem no seio da Virgem Maria. Aquele que os céus não podem conter encerrou-se no seio da Virgem. Por isso os fiéis cantam eternamente; “bem-aventurada és tu Virgem Maria pois aquele a quem os céus não podem conter, tu o encaraste em teu seio”. Todas as gerações hão de chamar-te de bendita. Nós, teus filhos, extasiados diante de tão grande mistério e da grandeza de tua humildade te saudamos confiantes na tua misericórdia. Ao teu Filho clamamos e invocamos como o Adonai. Ó Senhora Mãe do todo poderoso, a ti, absorta diante do mistério aclamamos: Nossa Senhora do Ó rogai por nós.

3ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 19/12

“Ò Raiz de Jessé, Ò Estandarte, levantado em sinal para as nações!Ante Vós se calarão os reis da terra, e as nações implorarão misericórdia: vinde salvar-nos! Libertai-nos sem demora!
Jessé vem da língua hebraica composto por duas palavras IS – YAHWEH = homem de Deus. Este é o nome do pai do Rei Davi. Ele era de Belém e Deus enviou a ele o profeta Samuel para ungir rei um de seus filhos, o mais novo que se chamava Davi.
Deus através do profeta Natan, fez uma promessa ao Rei Davi dizendo: “... E quando os teus dias estiverem completos e vires a dormir com os teus pais, farei permanecer a tua linhagem após ti, aquele que terá saído das tuas entranhas e firmarei a Tua realeza”. (I Sam 7,12).
Esta promessa de Deus feita a Davi – a saber – a permanência eterna de um descendente seu como rei de Israel, faz de Jessé, pai do Rei Davi, a raiz de uma dinastia da qual deverá nascer o Messias, o Salvador e, Rei Universal e Eterno.
O profeta Isaias é o grande cantor e arauto do Messias descendente de Davi. O profeta o anuncia como rebento do tronco de Jessé. Ouçamos o profeta. “Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes. Sobre Ele repousará o espírito de YAHWEH, espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e temor de YAHWEH: no temor de YAHWEH estará a sua inspiração” (Is 11, 1-3) e “Ele julgará os fracos com justiça e com equidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão de sua boca, e com o sopro de seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto de seus lombos e a fidelidade o cinto dos seus rins” (Is 11, 4-5).

Depois de profetizar a grandeza do Messias rebento do tronco de Jessé, repleto do Espírito do Senhor, o profeta anuncia a sua missão de salvação universal. “Naquele dia a raiz de Jessé que se ergue como um sinal para os povos será procurada pelas nações, e a sua morada se cobrirá de glória. Naquele dia, o Senhor tornará a estender a sua mão para resgatar o resto do seu povo” (Is 11, 10-11). Por isso a antífona de Natal canta que a Raiz de Jessé foi levantada como um estandarte, em sinal para as nações.
Também o mesmo profeta Isaías é o que recebe em visão profética a revelação divina de que o Rei Messias futuro nasceria de uma Virgem. “O Senhor nos dará um sinal. Eis que uma Virgem conceberá e dará a luz um filho que se chamará Emanuel” (Is 7, 14).
No livro do Apocalipse de São João, escrito para fortificar e sustentar a fé dos cristãos em tempos de perseguição e para revelar o destino de glória de todas as testemunhas fiéis de Jesus: “Eu Jesus enviei o meu Anjo para vos atestar estas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante estrela da manhã...Vem! ...Quem deseja, receba gratuitamente água da vida”. (Ap. 22, 16-17).
O desejado das nações que brotou da Raiz de Jessé que se levantou como sinal para todas as nações, nasceu prodigiosamente de uma Virgem. Ele é o salvador e libertador. Diante dele os reis pasmos e boquiabertos perderão a voz. Lívidos de espanto clamarão misericórdia. Todo este prodígio aconteceu no seio de uma virgem. Ela foi escolhida para acolher no seu ventre a Palavra Eterna e Criadora do Pai, Jesus o Emanuel, o Deus - Conosco. A Ela Deus enviou seu Anjo para comunicar-lhe que foi encontrada plena de graça e que conceberia por obra do espírito Santo o Filho de Deus, Rebento da Raiz de Jessé, ramo do tronco de Davi.

Diante de tamanha honra e de prodigiosa grandeza assim como os reis de toda a terra, nós calamos diante do Estandarte que de ti se levanta sobre todas as nações. Diante de ti, Mãe do Redentor, nós cheios de santo temor exclamamos: Oh! Virgem gloriosa, nossa admiração mais profunda que nos rouba toda a palavra e nos permite apenas invocar-te como a senhora do Oh! Amém.


4ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 20/12

“Ò chave de Davi, Cetro da casa de Israel, que abris e ninguém fecha, que fechais e ninguém abre: vinde logo e libertai o homem prisioneiro, que, nas trevas e na sombra da morte está sentado”.

Já no Antigo Testamento (Is 22,22) o profeta tornara público a revelação de Deus sobre o futuro rei – salvador, Filho de Davi: “Porei a chave da Casa de Davi sobre o ombro dele, ele abrirá e ninguém fechará, ele fechará e ninguém abrirá”. Com estas palavras, Deus apresenta seu Messias que um dia enviaria a terra.
Apresentado pelos Anjos aos pastores e, pela estrela, aos Magos, Jesus, no inicio de sua missão, na sinagoga de Nazaré, cidade em que fora criado, se apresenta do seguinte modo: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Enviou-me para proclamar aos cativos a libertação e aos cegos a recuperação da vista, para despedir os oprimidos em liberdade para proclamar o ano da graça do Senhor”. (Lc 4, 18-19).
Esta proclamação pública que Jesus faz de si mesmo como libertador dos cativos e dos prisioneiros confirma o que já dissera o velho Zacharias que cheio do espírito Santo via, no anuncio do nascimento do precursor a realização das profecias antigas.
Zacharias sente a aproximação da realização das promessas que Deus fizera em tempos remotos, através de seus profetas. É o momento de abrir as portas aos que se acham relegados ao poder da morte. Assim se pronuncia Zacharias: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel que visitou seu povo e realizou a sua libertação, e nos suscitou uma força de salvação na família de Davi seu Servo. (...)o sol nascente nos visitou do alto e iluminou os que se achavam nas trevas e na sombra da morte estavam sentados”. (Lc 1,68-69.79).
A missão de Jesus,cujo nome quer dize – Deus salva é a missão de libertador. Ele deve libertar o homem escravo do pecado, acorrentado nas garras do tentador, do diabo, da antiga serpente. O ser humano jaz acorrentado nas masmorras da morte mergulhado nas trevas do pecado.
É por este motivo que o salvador, o Filho da Virgem Maria é apresentado como “chave”. Só Ele tem o poder divino e salvador para poder abrir as portas das prisões e dos grilhões a que o pecado submeteu os filhos de Adão. A morte e as trevas são os troféus do pecado. Na sua trama o homem foi enredado pela astúcia do inimigo. Jesus é o que desce do céu para assumir no seio da Virgem a natureza humana para, através sua obediência ao Pai, libertar o homem desobediente da prisão que o mantém eternamente coberto sob as sombras da morte.
O túmulo vazio e as aparições de Jesus no domingo da Páscoa são as testemunhas de Jesus ressuscitado. Ele esteve morto e agora vive. As provas são as estigmas da paixão que Jesus apresenta aos seus discípulos em suas duas aparições, no dia da páscoa e no domingo seguinte. A sua vitória é vitória sobre o pecado e sobre a morte. Ele entrou e saiu no Reino dos Mortos.

No livro do Apocalipse, Jesus mesmo se apresenta como vencedor da morte e aquele que possui as chaves do Hades que ninguém lhe pode arrebatar: “Eu sou o primeiro e o último, o que vive; estive morto, eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do Hades”. (Ap 1, 8). São palavras do próprio Jesus ao se apresentar a São João em suas visões proféticas, para sustentar a fé da igreja e dos cristãos perseguidos. Ele penetrou no Reino dos Mortos e o venceu e seu troféu são as chaves da morte e a vida para sempre. Falando a Igreja de Filadélfia, o mesmo livro do Apocalipse retoma esta palavra de Jesus: “Assim fala o Santo e o Verdadeiro, o que tem a chave de David, que abre e ninguém fecha, que fecha, e ninguém pode abrir”. (Ap 3,7).
Esta revelação de Jesus como a chave de David tem como objetivo sustentar a fé dos cristãos enquanto peregrinos na busca da pátria eterna. Os cristãos vivem num mundo que exala halo de morte, pois o “príncipe deste mundo” ainda atua nele. Porém ele já foi derrotado. Induzindo os homens a matarem Jesus, ele construiu sua desgraça. O Filho de Deus pela sua morte de cruz, arrebatou do inimigo seu poder que era a morte. Ele a venceu e agora reina a vida e o vivente. O primeiro e o último, o Alfa e o ômega, a chave da casa de David.
O Rei Eterno e Universal, o vencedor da morte, realiza sua missão pelo mistério de sua encarnação. Ele, o Filho de Maria, feito homem, se entrega voluntariamente à cruz para vencer o inimigo que vencera na arvore do paraíso. A Virgem é a Mãe venturosa que, tendo suportado com fé e resignação a vontade de Deus os atrocíssimos tormentos da paixão, agora exulta triunfante com o Filho que traz consigo a vitoria sobre a morte e as chaves do Reino.
Ao rei imortal, a glória pelos séculos! À Virgem Mãe venturosa do ressuscitado, cantam todas as gerações as maravilhas que Deus realizou nela e por Ela. Oh! Virgem, nós extasiados te aclamamos, diante de tua magnitude exclamamos – oh! Senhora do Ó.

5ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 21/12

“Ó sol nascente justiceiro, resplendor da luz eterna: Oh, vinde e iluminai os que jazem entre as terras e, na sombra do pecado e da morte estão sentados”.
O evangelista São Mateus ao anunciar o início da pregação de Jesus na Galiléia, faz com uma citação do profeta Isaías que reza assim: “O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz, para os que jaziam na região da morte levantou-se uma luz”. (Mt 4,16; Is 9,1). A luz escatalógica prometida pelos profetas tornou-se realidade na pessoa de Jesus.
O Evangelista São Lucas Saúda, com seus cânticos imortais, Jesus desde seu nascimento como o sol nascente que deverá iluminar os que estão nas trevas (Lc 1, 78-79); saúda também Jesus como a luz que deverá iluminar as nações (Lc 2,32).
Porém é sobretudo por seus atos e palavras que Jesus se revela como luz do mundo. As curas de cegos que Jesus realiza têm, nesse sentido, um significado especial conforme ressalta São João no episódio do cego de nascença (Jo 9,5). É nesta ocasião que Jesus declara: “Enquanto eu estou no mundo, eu sou a luz do mundo” (Jo 9,5). Alhures Jesus diz: “Quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12).
A Força iluminadora de Jesus é a sua própria pessoa. Ele é a palavra de Deus, vida e luz dos homens. Luz verdadeira que ilumina todo homem vindo a este mundo. Jesus é a luz que enfrenta as trevas do pecado e do mundo: a luz brilha nas trevas e o mundo mau procura apagá-la, pois os homens preferem as trevas à luz porque suas obras são más. Por isso na paixão do Senhor, quando Judas sai para entregar Jesus, São João diz-nos que era noite, a hora das trevas. Jesus mesmo declara nos momentos que precederam a paixão: “È a vossa hora e o poder das trevas”. (Lc 22,53).
A luz qualifica o domínio de Deus e do seu Cristo como sendo o domínio do bem e da justiça, as trevas qualificam o domínio de satanás como sendo o do mal e da impiedade embora satanás muitas vezes se disfarce como anjo da luz pra seduzir os homens. O ser humano se encontra colhido entre os dois domínios aquele das trevas e aquele da luz. Ele deve escolher a fim de se tornar filho das trevas ou filho da luz. Os que fazem mal pertencem ao mundo das trevas e fogem da luz para que suas obras não sejam reveladas. Os que permanecem na verdade achegam-se à luz e crêem na luz para tornar-se filhos da luz. (Jo 12,26).
Por nascimento todos os homens pertencem ao domínio das trevas (Ef 4,18). Foi Deus que nos chamou das trevas a sua luz admirável (I Pd 2,9). Arrebatando-nos do poder das trevas transferiu-nos para o Reino de seu Filho para que participemos da sorte dos Santos na luz (Cl 1, 12-13). É o batismo que nos introduz nos domínios da luz: “Outrora éramos trevas, agora,luz no Senhor” (Ef 5,8). Isso nos coloca numa nova linha de conduta: “Viver como filhos da luz” (I Tes 5,5).
Colocados neste caminho da luz que é o seguimento de Jesus o ser humano pode esperar a maravilhosa transfiguração prometida por Deus aos justos no seu reino (Mt 13,43). De fato, segundo a revelação do livro do Apocalipse, a Jerusalém celeste, na qual esperamos chegar irá refletir em si a luz divina (Ap 21, 23-25): então os eleitos contemplarão a face de Deus e serão iluminados por esta luz. De fato, esta é a esperança dos filhos da luz; essa também é a prece que a Igreja dirige a Deus pelos seus filhos que já deixaram esta terra: que as almas dos falecidos não tombem nas trevas, mas o arcanjo São Miguel as introduza na luz santa! Faz brilhar sobre eles a luz sem fim.
A luz que nos chama das trevas pelo batismo; a luz que nos ilumina com sua palavra na travessia deste vale de lágrimas; a luz que nos conduz de quando varcamos as portas da morte e nos introduz no Reino dos Eleitos, onde por toda a eternidade seremos iluminados pela luz do rosto de Deus é Jesus. A Virgem Maria, escolhida entre todas as mulheres, foi quem deu à luz esta luz sem ocaso, este sol que jamais tresmonta. Ela é a Bem Aventurada, cantada por todas as gerações. Ela é a Virgem que suportou com fé as dores e as trevas da paixão, exulta agora com o brilho da luz da ressurreição. A luz que ela deu à luz, ressuscitado ofusca o brilho do sol e deixa estarrecidos os anjos que anunciam a páscoa. Mãe de Misericórdia socorre com tua luz aqueles que sem palavras diante de tua majestade te proclamam: VIRGEM NOSSA SENHORA DO Ó!
6ª ANTÍFONA – Ofício de Vésperas – 22/12
“ò Rei das nações. Desejado dos povos; ò pedra angular, que os opostos muís: oh, vinde e salvai este homem tão frágil, que um dia criastes do barro da terra”.

No mundo antigo o poder do rei sempre esteve muito ligado ao poder de Deus porque o rei era o encarregado de assegurar ao povo a justiça e o direito e defender os mais fracos. Como Deus é justo e defensor da justiça e dos mais fracos, o rei herdou também esta tarefa.

Com o passar dos tempos, devido ao fato de o rei ter como tarefa principal cumprir os preceitos divinos e fazê-los respeitar, o rei passou a considerar-se também divino ou, ao menos, como um semi-deus. Isso fez com que os reis invertessem totalmente sua missão. Em vez de serem servidores e defensores do povo, tornaram-se tiranos, opressores e exploradores do povo. Já não é o rei que serve. Ele é servido e o povo avassalado. Por isso todos os reis fracassaram, inclusive os reis bíblicos escolhidos por Deus. Então Deus prometeu ao seu povo um rei verdadeiro, segundo o coração de Deus, um rei-servo, um rei-salvador; um rei-redentor: “Na plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho nascido de mulher e sujeito à lei, para libertar àqueles que estão sob a lei, para que nos seja dado ser filhos adotivos” (Gl 4,4-5).
Este filho é Jesus. Nascido de mulher – a Virgem Maria. No Filho de Deus e de Maria nos tornamos filhos.
Durante o ministério público de Jesus, muitas vezes quiseram fazê-lo Rei. Ao modo dos reis da terra.Jesus sempre rejeitou esta oferta equivocada. Herodes chegou a temer e a perseguir Jesus por ver nele um concorrente seu.
Porém Jesus vê e ensina com clareza que sua missão é de outra ordem: ele é o Rei Messiânico. Ele é o rei ungido por Deus para servir, para salvar os homens de sua condenação. Sua realeza é a humildade, do serviço, da entrega e do amor. Entrando em Jerusalém, humilde e montado em um jumento, Jesus prenuncia como será o reinado.
Quando Jesus é preso, antes de sofrer a paixão, Ele é julgado por Pilatos por causa de sua realeza. Jesus é acusado diante do governador romano de ser Rei. Jesus é trazido diante do governador chagado e ensangüentado depois dos açoites e também coroado com uma coroa de espinhos. O evangelista São João nos mostra com clareza a revelação paradoxal da paixão de Jesus: nestas circunstancias da paixão, quando entrega sua vida para a salvação do mundo coroado de espinhos, então Jesus aceita a condição de Rei. A pergunta de Pilatos – “És tu Rei dos Judeus? – Jesus responde que sim, Ele é Rei, porém faz uma correção. Não é apenas Rei dos Judeus. Seu Reino não é desse mundo. Porém Ele é Rei e para isso veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Pilatos, incitado pelo povo, condena Jesus ao suplício da cruz. A cruz será o seu trono. Dela Jesus pende, coroado de espinhos. Nela Jesus entrega a sua vida para reinar para sempre.
È pela ressurreição que Jesus entra no seu reino. Antes porém de tomar posse de seu reino, Jesus quis fazer entender às suas testemunhas a natureza do seu reino messiânico, tão diferente de tudo o que os Judeus e todas as pessoas esperavam: Seu reino se estabelecera pela pregação do Evangelho. Lá onde for anunciada a sua palavra e recebida pelas pessoas que através dela chegam a dar adesão a Jesus pela fé, lá chegou o Reino de Jesus. Jesus era Rei desde o seu nascimento, assim anunciaram os céus. Porém sua realeza manifestou apenas pela sua paixão e ressurreição.
O seu Reino não é deste mundo, por isso Ele tomou posse do seu Reino que pertence ao mundo de Deus. Mas, o mundo de Deus, Ele o criou para seus filhos , os seres humanos. Para isso Jesus constituiu a comunidade, o povo que deve também tomar posse com Ele, do Seu Reino. Este povo, esta comunidade é a Igreja. Esta comunidade é missionária e aberta a todos os homens. Todos são convidados a dar adesão a Jesus pela fé. Ele fez deste povo uma raça eleita, um povo sacerdotal para Deus, uma nação santa, o povo que Deus conquistou para si para proclamar os grandes feitos daquele que das trevas nos chamou para sua luz admirável (I Pe 2,9). Deste povo sacerdotal, desta comunidade santa e eleita por Deus, Jesus é a pedra angular, a pedra fundamental de sustentação de toda a construção. Assim nos fala na primeira carta de São Pedro: “Eis que eu ponho em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa, e quem nela põe sua confiança não será confundido. A vós que credes, portanto, seja dada a honra; mas para os que não crêem, a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular , como também uma pedra de tropeço, um rochedo que faz cair. Contra ela esbarram porque se recusam a crer na palavra” (I Pe 2,6-8).
O Reino do qual Jesus é Rei é aquele do povo santificado pelo seu sangue mediante a aceitação do seu evangelho.
Este Rei messiânico, pedra Angular da construção do povo de Deus, Reino Sacerdotal, é o menino nascido em Belém, Filho da Virgem Maria. Este menino traz em seus ombros a grandeza deste Reino universal que ultrapassa os limites dos tempos e do universo, penetrando nos umbrais da eternidade. Este menino com tão gloriosos destino e missão encerrou-se no seio da Virgem Mãe. Com razão, em seu cântico, a Mãe do Salvador depois de proclamar a grandeza, o poder e a fidelidade de Deus, profetiza que todas as nações hão de chamá-la de bendita.
Em harmonia com todas as nações, juntamos nossas vozes para proclamar bendita a Virgem que nos trouxe o Redentor. Em uníssono queremos bendizer a Deus pelas maravilhas operadas em Maria. Como os pastores em Belém queremos com o coração extasiado proclamar: SALVE VIRGEM MÃE; OH BENDITA ENTRE AS MULHERES; NOSSA PADROEIRA, SENHORA DO Ó.

7ª ANTÍFONA – Oficio de Vésperas – 23/12
“Ò Emanuel: Deus Conosco, nosso rei – legislador, esperança das nações e dos povos salvador: vinde enfim para salvar-nos, Ó Senhor e Nosso Deus”.

Esta palavra vem do hebraico e quer dizer:
im (dentro) – manu (de nós) – El (Deus) → Deus conosco.

Desde o Antigo Testamento, quando a história da salvação mostrou que os homens são inconstantes em sua fidelidade e que os reis e poderosos não podem garantir salvação, Deus prometeu enviar-nos um salvador. Ele seria o Emmanuel, isto é, através dele Deus se faria presente no meio de nós. Ainda mais, Deus tomaria a carne humana. Ele estaria tão próximo que seria um de nós. O Emmanuel seria o começo de uma nova criação. Se o pecado encerrou o convívio coloquial de Deus com o homem, no paraíso terrestre, levando o homem a distanciar-se cada vez mais de seu criador, e, proporcionalmente, fazendo crescer seus dissabores, a promessa do Emmanuel é eliminar esta distância. Porém como esta distância não é física, o que separa o homem de Deus não é o espaço e sim o pecado, consequentemente a promessa de um Emmanuel traz, como corolário, o perdão dos pecados que é a distância, a barreira colocada entre o homem e Deus.
O pecado mergulhou o ser humano numa profunda solidão. Isolado de Deus ele perdeu a vocação e o seu destino de glória: partilhar da companhia e da amizade de Deus. Depois do pecado, subtraído à comunhão com Deus, o homem fica à deriva nas encapeladas tempestades da vida e da história.
Deus deu aos homens seu Filho único (Jo 3,16) para que os homens reencontrassem através dele, o Emmanuel, a comunhão com Deus. Para arrancar a humanidade à solidão do pecado, ele tomou sobre si esta solidão. Jesus esteve no deserto para vencer o adversário e muitas vezes se retirou para rezar sozinho. No Getsêmani, mais uma vez, Ele reza só, pois seus discípulos dormem e se negam a participar de sua oração. Assim Jesus enfrenta, só, os terrores e as angústias da morte. Mesmo parecendo que Deus o abandonou Ele não esta só! O Pai esta com Ele (Jo 8,16.29). Assim Ele congregou, através de sua morte solitária, na unidade os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52)e atrai a si todos os homens. (jo 12,32).
Esta é a realização das promessas feitas desde o anúncio do nascimento de Jesus: “Eis que o Anjo do Senhor apareceu a José e lhe disse!Jose, filho de David, não temas em receber AM tua casa Maria, tua esposa: o que foi gerado nela provém do espírito santo, e ela dará à luz um filho a quem porás o nome de Jesus, pois é ele que salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor dissera pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará a luz um filho, do qual darão o nome de Emmanuel que quer dizer Deus Conosco” (Mt 1, 20-23).
O Evangelho nos revela com clareza que o Emmanuel prometido por Deus, desde os tempos antigos, pelos profetas é Jesus. A Virgem que haveria de concebê-lo e dá-lo à luz é Maria, Mãe de Deus, esposa de José. O Emmanuel, Deus - Conosco, Jesus, tem uma missão indicada no próprio nome: Salvar seu povo de seus pecados. Este é o significado do nome de Jesus. De fato, é pela invocação do nome de Jesus que os discípulos curam os doentes (At 3,6; 9,34); pela invocação do nome de Jesus que expulsam os demônios (Mc 9,38; 16,17; At 16,18; 19,13); pela invocação do nome de Jesus realizam toda sorte de milagres (Mt 7,22; At 4,30). Isso mostra que Jesus de fato é aquele que o seu nome indica – “Aquele que salva”. Este é o significado do seu nome e esta é a sua missão.
Jesus, o Filho de Deus, nasceu duma mulher, nascido sob a lei (Gl 4,4) surgiu no mundo numa data determinada, “enquanto Cirino era governador da Síria (Lc 1,27), radicado numa vila da Galiléia, chamada a Nazaré” (Lc 1,3-26). Mas esse é Jesus, o Emmanuel – Deus conosco, que salva o seu povo dos seus pecados.
O nome da Virgem, a quem o Anjo do Senhor se dirige, é Maria. A Ela o Anjo a saúda como a cheia de graça, que há de conceber à sombra do Espírito Santo que virá e pousará sobre Ela. Em ti, Maria, os céus se inclinam para trazer à terra o Emmanuel. Sobre ti o Espírito pousou para que o Filho co-eterno do Pai se fizesse o Emmanuel. Tu, Maria , no-lo apresentaste sob a sinfonia celeste, tocada e cantada pelos Anjos. Com os Anjos saudamos o Deus - conosco dizendo: Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens a quem Deus quer bem. Extasiados como os Anjos, temerosos e fervorosos como os pastores, prostrados adoramos o Rei dos reis, o Senhor dos senhores, o Salvador o Emmanuel, com todo o exercito celeste e os homens objetos do amor de Deus queremos reverentes proclamar-te Bem Aventurada por todas as gerações. Mãe do Emmanuel, Mãe do Salvador, Virgem do Ó, roga por nós. Amém!