ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sexta-feira, 15 de março de 2024

quarta-feira, 13 de março de 2024

O avesso dos críticos...

 

SOBRE O LIVRO "O AVESSO DA PELE"

Todo escritor escreve para ser lido. O escritor por excelência não aguarda que a sua obra cause polêmica para vender mais ou explodir nas livrarias. Se assim fosse, escrever perderia o sentido, principalmente quando o mote da polêmica fosse o que falta na literatura: uma ideia extraordinária, visionária, impactante, algo novo. E se agravaria se a polêmica decorresse de breves passagens do livro. 

Recebi um vídeo em que uma mulher, creio se tratar de uma vereadora ou deputada (não me lembro agora). Ela se mostra indignada com o livro que trabalha identidade complexa das relações raciais e racismo, destinado para professores e estudantes de escolas públicas de todo o país. Depois, vi outro vídeo de uma diretora da região Sul, também indignada. Sua escola recebeu mais de 200 exemplares da obra e a mesma pede a sua censura.

A diretora disse “...Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio...”, escreveu ela na legenda do vídeo. OBSERVAÇÃO: O MEC não escolhe livros. Esse livro foi enviado pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério da Educação – MEC/ Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD, após passar pela escola de uma equipe. Inclusive achei estranho a diretora não se contentar em meramente mostrar o trecho que recrimina (no vídeo), mas ela lê em voz alta. Se são palavras ‘de baixo calão”, por que lê-las em voz alta? Deixasse os internautas lerem. Como dizem os jovens: aí tem um pouco de lacração.

Intitulado “O Avesso da Pele”, escrito por Jeferson Tenório, o livro é vencedor do Prêmio Jabuti 2021 e vem se tornando um dos livros mais vendidos no Brasil, quebrando recordes de vendas na Amazon, dentre outras postagens indignantes.

Na verdade “O Avesso da Pele” é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos. O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. O personagem principal é Pedro e sua namorada, que é branca.

Pois bem, voltando sobre a indignação das mulheres. A mulher (política) desce o pau no Governo Federal, bem ao estilo daquela história inventada das cartilhas gay e da mamadeira de piroca (que só existiu na cabeça de pessoas com problemas cognitivos). Acredito que, na cabeça dela, pensou-se assim: "Lula e Alckmin mandaram esse livro para os alunos do Brasil só pra sacanear".  Ela se mostra indignada porque o dito livro está sendo distribuído para alunos do ensino médio das escolas do Sul. Ela mostra a capa do livro, abre, lê algumas partes que revelam uma conversa íntima entre adolescentes amigas. 

Uma delas, branca, está namorando o dito rapaz preto. O trecho lido é a parte em que uma das amigas pergunta “... o pau dele? É grande? É verdade que eles são insaciáveis?...” (numa alusão às características dos pretos, segundo o imaginário). A diretora vai para outra página e lê certamente uma cena íntima entre o casal de jovens. Está escrito “...Vem minha branquinha. Vem meu negão. Chupa a tua branquinha. Chupa o teu nego. Adoro a tua pele branquinha. Adoro a tua pele...”

O vereador Rodrigo Rabuske, de Santa Cruz do Sul, também botou a boca no trombone, caracterizando o fato como “absurdo” o uso de O Avesso da Pele em escolas.

Todas as obras paradidáticas passam por rigorosa análise técnica, física e pedagógica feita por especialistas, e mesmo assim é obrigatória a análise dos professores. O registro das obras escolhidas – pelos professores – é feito pelo diretor da escola, ou seja, cumpre a ele, como gestor, apenas lançar os títulos e as quantidades no site do MEC.

A editora Companhia das Letras, que lançou o referido livro, divulgou a seguinte nota: “A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”.

Embora o livro diz respeito a todas as escolas e municípios brasileiros, dei uma pesquisada sobre Santa Cruz do Sul, município do Rio Grande do Sul, e encontrei informações que pelo visto, essa diretora, essa política e esse vereador (de Santa Cruz do Sul) desconhecem, fazem vistas grossas ou só enxergam aquilo que lhes convém. São seletivos quanto ao que causa-lhes indignação. Houve nessa cidade um projeto municipal intitulado “Pacto Santa Cruz pela Paz”. A pesquisa, feita pelo “Instituto Cidade Segura”, apontou os terrenos baldios e perturbação de sossego como principais problemas nos bairros do município. 

Aparecem como pontos negativos apontados pela população a questão de embriaguez nas ruas, pontos de vendas de drogas, ruas sem iluminação e prédios abandonados. Outro ponto apontado na pesquisa diz respeito ao consumo de bebida alcóolica por menores - 43,4% - e ainda violência contra mulheres. VEJAM QUE LOUCO: 43,4% DOS MENOTRES CONSOMEM ÁLCOOL. Esse último, aponta que 29,2% das mulheres, considerando a idade acima dos 16 anos, foram importunadas sexualmente em transporte público (VEJAM QUE ABSURDO), sendo 60% nos ônibus, 30% nos aplicativos e 9% nos táxis. Seguido desse, estão os comentários desrespeitosos no sentido sexual, com 24,8%, assédio com 19,6% e violência doméstica, com 15,6% dos relatos. Essa diretora poderia fazer um projeto na escola trabalhando essas barbaridades pertinentes às mulheres).

Sobre o consumo de drogas nas ruas, 43,4% dos santa-cruzenses responderam que já viram usuários e que, 60% deles, utilizavam a maconha. VEJAM QUE DADO: 60% DESSES UTILIZAM A MACONHA. Na sequência aparece o crack, com 12,4% e a cocaína, com 8.5%. Houve questionamentos sobre crimes e ameaças contra vida, como brigas e agressões, onde o alto número trouxe o alerta. 

Não quero desmerecer essas pessoas simplesmente porque criticam a citada obra. Também não desmereço o município de Santa Cruz do Sul – até porque há outros municípios pelo Brasil afora em situação igual ou pior –, mas critico a indignação seletiva deles – a falta de prioridade deles no momento em que possuem preocupações assustadoramente maiores em seu município e acham de cismar justamente com a liberdade de expressão de um escritor. É um cerceamento da arte literária. O que seria muito mais digno de um alarde e pedido de socorro? Não seriam os números acima? E vejam que os afetados – pasmem – são adolescentes.

E se o protagonista da história fosse branco? Teria rejeição mesmo com os trechos picantes? Que tal pensar.

Se atitudes assim tornarem-se normais, logo teremos um “Index Librorun Proihibitorun” a serviço dos representantes da sociedade puritana que faz sexo só para parir. Condenar um livro de grande qualidade literária, detentor de um enredo atualíssimo, por causa de trechos picantes, é questionável e sem propósito.

A partir dos meus 13 anos – ao mesmo tempo em que a escola pedia que lêssemos José Mauro de Vasconcelos, Hélio Serejo, José de Alencar, Raquel de Queiroz, dentre outros autores clássicos, eu, por livre arbítrio, simultaneamente, lia Adelaide Carraro, Cassandra Rios e uma diversidade de autores com narrativas inapropriadas para a minha idade e isso não afetou em nada a minha vida. Pelo contrário. Sempre li, de São Cipriano a Hare Krishna e o caudal disso legou-me um ser humano apaixonado pela palavra, pela escrita, por histórias, invenções e tudo o que vem da escrita.

Até compreendo a crítica dessas pessoas quanto ao livro – aliás, trechos do livro. A questão de pudor, religiosidade, tradições, culturas são diferentes em algumas pessoas. Pesa, também, um dado interessante: nem todo professor é leitor. Nem todo professor gosta de Literatura. E esse turbilhão de posturas implica em sentimentos diferenciados. Mas nenhum sentimento deve sobrepujar a liberdade de expressão. Até onde sei, a escolha de todo livro, inclusive “O Avesso da Pele” perpassa por rigorosa análise. Chego a SUPOR que “julgaram esse livro pela capa” ou pela orelha durante o seu processo de escolha. Deve ter ocorrido algo parecido com “Que maravilha, um livro que trabalha o racismo! Vamos escolhê-lo?!”. E bastou. Não leram o livro.

Mas, se minha suposição estiver errada e, de fato, o referido livro tiver sido lido em sua totalidade, analisado e, de fato, ESCOLHIDO/DELIBERADO? Não estou analisando os fatos sob as lentes do meu exemplo pessoal. O meu pai sempre dizia “esse tempo não me pertence”, referindo-se ao passado querer congelar o presente. Hoje entendo o porquê. Faz 44 anos que eu li os autores citados acima, cuja narrativa era “inadequada” para mim, e que não foram orientados pela escola, ou seja, tem quase meio século. Estou falando do período da Ditadura Militar. E hoje, por causa de alguns trechos picantes e isolados, vai se censurar uma obra inteira? Que absurdo! O que esse povo diria de “O Bom Crioulo”? Com certeza que foi obra do Comunismo ou de Satan.

Aqui mesmo, no Rio Grande do Norte, a escritora Socorro Trindade, embora que num contexto, diz “A boceta da minha mãe é uma flor”, numa esplêndida explosão de poeticidade e filosofia quando visualiza a intimidade de sua mãe como uma flor que traz vida e perfume (s) para o mundo. Como entender isso se o leitor só leu esse trecho porque polemizou, e nunca pegou noutro livro para ler sequer a capa?

O que dizer de “Um balde de bucetas” no “ingênuo” Manoel de Barros, tão lido em todas as escolas do Brasil? Meu filho o leu aos 9 anos. E Carlos Drummond de Andrade em suas diversas colocações “pornográficas”? São tantos escritores e tantas “palavras de baixo calão” que é bom revisitar o passado e crucificar quem já morreu, pertenceu ou pertence à própria Academia Brasileira de Letras.

Enfim, se há escolas que não aceitam o livro, que o façam. Mas deve ser dito que o livro foi DELIBERADO, e se há erro em ter sido escolhido, não é obrigado entregar aos alunos. Esse alarde, essa essa “Santa Inquisição”, acaba sendo ótima, principalmente para o autor, pois todos os alunos irão ler e conhecer o autor. Tenho certeza disso. O melhor de tudo é que esse é o caso cuja obra não é um lixo, que não polemizou por ser lixo. Pelo contrário, polemizou por determinados trechos. Então temos uma obra de qualidade e que não precisou do marketing tradicional. O grande marketing foi esse vavavu que essa minoria provocou e findou explodindo a obra em todo o Brasil, até fora das escolas.

Como disse no início, “todo escritor escreve para ser lido. O escritor não aguarda que a sua obra cause polêmica para vender mais ou explodir”. Mas, no caso “d’O Avesso da Pele”, o livro é de excelente qualidade literária, e ter entrado nessa polêmica de gente que muitas vezes não lê nem dois livros por ano, muitas vezes nenhum, só fez bem para o autor que, merecidamente, está vendendo feito banana na feira. L.C.F. 12.3.2024.

terça-feira, 5 de março de 2024

Acta Noturna - A Visita de Dom José à Vila Imperial de Papary - 1882...


Há 142 anos o bispo de Olinda, Dom José Pereira da Silva Barros visitou a então "Vila Imperial de Papary", mas vamos entender o contexto a partir de seu desembarque no cais do porto, em Natal, a bordo do navio Pirapara. 

Natal foi ao êxtase, como se chegasse um semideus... Houve comissão de recepção, clérigos, autoridades, banda de música... o diabo a quatro se desmanchando em mesuras típicas das que até hoje se fazem à rainha Elizabeth II.

Um cortejo gordo acompanhou o bispo a pé até a igreja do Bom Jesus. Na sacristia ele se paramentou e seguiu a pé até a catedral de Nossa Senhora da Apresentação, onde era vigário um que seria santo: João Maria Cavalcanti de Brito (coincidentemente o padre João Maria havia deixado a Vila Imperial de Papary há 1 ano, onde exercera 4 anos de vigariato naquela matriz). 


Diferentemente do padre João, cuja casa era a sacristia, e muitas vezes dormia no chão por presentear a própria rede aos pedintes, o bispo ficou hospedado durante uns três dias no Palácio da Assembleia, depois Palácio do Governo (hoje EDTAN, na rua Chile, Ribeira). 

Ali lhe chegava de tudo da melhor qualidade. De comida a souveniers oferecidos pelas madamas natalenses. Após a realização dos mais diversos trabalhos eclesiásticos, seguidos de visitas a todos os órgãos públicos e às casas das pessoas mais ricas de Natal, ele empreende uma verdadeira odisseia por diversas cidades e vilas locais. Uma delas é a então "Vila Imperial de Papary". 

Ele estava em Canguaretama, quando embarcou na "Maria-Fumaça" da Great Western. Ao chegar na Estação "Papary", que ainda iria completar um ano de construída, mais ou menos às 17h00, como dizem os nordestinos "estava um moído"... não tinha lugar para se colocar o pé. Música, autoridades, paroquianos, tudo o que se tem direito e mais um pouco promovia a maior festividade. 

Por incrível que pareça, as autoridades mandaram uma "cadeira de arruar" para que o ilustre visitante viajasse confortavelmente até o centro da vila (igual a essa da foto com escravisados). O bispo nega. Escolhe ir a pé. 


Ao se aproximar do centro da freguesia, se surpreende. A partir da entrada do Engenho Descanso, perfilava uma sequência de fogueiras que ia até o átrio da Matriz. A vila estava um verdadeiro dia, tudo muito enfeitado pelos fieis. Então ele celebra na Matriz de Nossa Senhora do Ó e segue para um jantar nababesco no dito Engenho Descanso. 

Até então a vila nunca tinha visto um bispo. Ele passa dois dias ali, onde celebra casamentos, batizados, crismas, discursos, celebrações, visitas às famílias mais ricas da localidade, incluindo a do "Cavaleiro da Rosa" – que à essa época já era um homem idoso – e outras. 

Realizado o compromisso, ele segue para a estação "Papary", sob forte comoção popular. Contam que ele não deu um passo em Papary sem que uma multidão o acompanhasse, como se para levá-lo... um misto de curiosidade, o impacto da novidade, a imagem de semideus etc.


Enfim ele embarca para Natal. É outro vavavu na Estação. No outro dia a Vila Imperial de Papary se transformou num cemitério. Em Natal, ele passa mais uns dias e toma destino ao Pernambuco. 

Naquela época, a província do Rio Grande era subordinada à Diocese de Olinda. Dom José Pereira da Silva Barros foi o primeiro e único conde de Santo Agostinho. Era de São Paulo. Foi bispo de Olinda e do Rio de Janeiro. Foi o último bispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro.

Acta Noturno - Antonio de Sousa (Polycarpo Feitosa) - "Quase Romance Quase Memória"...

Polycarpo Feitosa

O livro intitulado “Quase Romance, Quase Memória”, assinado por Polycarpo Feitosa, alcunha de Antonio José de Melo e Souza (Papary: 24.12.1967 - Recife: 5.7.1955), foi publicado em 1969, pela Imprensa Oficial, com apoio do IHGRN e ANRL muito tempo após a morte do autor, graças à compreensão da irmã do escritor, dona Isabel Emiliana de Melo e Sousa, que disponibilizou os manuscritos. É uma obra não concluída, mas bastante vasta e com informações preciosas. Antonio de Sousa era um grande observador de tudo. Altamente crítico. Foi governador algumas vezes e ocupou pastas respeitáveis no estado. Embora esquecido pelas grandes massas, é figura conhecidíssima nos meios intelectuais norte-rio-grandenses. É considerado por especialistas como uma revelação na Literatura do período modernista, embora não seja reconhecido nacionalmente como tal. No capítulo “No tempo da República”, o autor estuda os primeiros dias do novo regime, entre nós, figuras principais, posição de liberais e conservadores, destacando o jornal “A Alvorada”, ou seja, A República, como centro das atividades republicanas. Quem conhece a história social e política do estado, idetifica logo, em Paulo Júnior, A. Benévolo, Andrade Brasil, as figuras de Pedro Velho, o Líder, e Augusto Severo e Brás de Melo, os redatores do jornal.O dr. Deodato Juazeiro, bacharel em direito, filho de  fazendeiro, poeta por desenfado, iniciannte em política, candidato a deputado, está a exigir um exame mais detido, a fim de ser devidamente identificado. 


No segundo capítulo “Diário de um recolhido”, memórias igualmente inacabadas, o autor analisa tipos e figuras da vida político-partidária potiguar, sem descer ao mau gosto do remoque e da pilhéria picante e dessaborida. As figuras de seu diário, tocadas pela magia do seu estilo, retornam, assim, ao cotidiano da vida norte-rio-grandense, mais engrandecidas e atualizadas, na palavra comedida e austera do memorialista contemporâneo. José Augusto, Castriciano, Sebastião Fernandes e tantos outros são ali discutidos, observados e analisados à luz dos fatos de sua época, por um autêntico observador da vida nordestina. Antonio de Sousa possuía uma biblioteca impecável. Era poliglota e assinava algumas revistas internacionais. Escreveu em diversos jornais potiguares e na revista do IHGRN. 

Maria Alice de Melo e Sousa


Dedicou-se principalmente ao conto e ao romace de costumes, escrevendo e publicando vários livros de ficção, com destaque pa “Flor do Sertão” (1928) e “Gizinha” (1930) Quando governador, marcou época, tendo em vista que era muito enérgico e exigente nas coisas públicas. É muito citada a sua honestidade. Tinha umas excentricidades. Certa vez, aleatoriamente, sua irmã recebeu uma jóia de um empresário natalense. Antonio de Sousa mandou que ela devolvesse imediatamente. O empresário queria privilégios em compras. O governador indeferiu imediatamente a sua má intenção. Dizem que mandou retirar o pneu do carro oficial para que ninguém usasse. 

Maria Isabel Emiliana de Melo e Sousa


Nasceu e morreu solteiro. Em 1997 fui procurado pelo dr. Erich Gemeinder, de São Paulo, profundo pesquisador e conhecedor da vida e obra de Antonio de Sousa. Não pude ajudá-lo, pois até então não possuía grandes coisas. O melhor de tudo é que ficamos amigos. Enviei-lhe uma revista da UFRN e recebi dele "O Bando", de 1955. Muito tempo depois chegou às minhas mãos relíquias de Antonio de Sousa, mas Erich Gemeinder havia falecido. Cedi alguma parte para o dr. Manoel Onofre Jr. É assim... a História é assim...

Do livro “Quase Romance, Quase Memória” retirei alguns ditos populares curiosos, já que não devo contar o conteúdo. Vejamos:

“Pobre como urubu de sertão em ano de inverno e sem epizootias”

(p.33)

“Quem tem uma pena e não tem vaidade ainda vai nascer” (p.33)

“Os cabelos de uma serra estão sempre sujeitos aos ventos de todos os quadrantes” (p.46)

“Não há nada melhor que que um dia atrás do outro e uma noite no meio” (p.46)

“É como macaco em loja de louças” (p.51)

“Pobre arbusto seco que, incapaz de dar frutos, apenas cria bichos para estragar os dos outros” (p.52)

“Cachorro com gafeira não pode deixar de se coçar” (p.52)

“É como paletó de estudante pobre, quando está muito sujo, como estava o Império, leva-se ao adelo, este desmancha tudo, vira o pano pelo avesso, põe novos forros, e aí está uma farpela nova… mas o pano é o mesmo, com o sujo escondido” (p.55)

“Todo sujeito avarento é mau” (p.54)

“Olhos de carneiro mal morto” (p.78)

OBS. As fotografias trazem Antonio de Sousa e suas irmãs, Maria Alice de Melo e Sousa e Maria Isabel Emiliana de Melo e Sousa. 6.6.2016.

. Um balé que desconsagra...

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Câmara Cascudo, disse que “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”. Pauto-me dessa frase clássica do nosso insigne potiguar, para comentar sobre o último Edital de Credenciamento para Instrutores de Dança da EDTAM - Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão), do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, encerrado no último dia 1º de março/24. É notória a desconsagração ao próprio balé de Natal. 

No artigo 1º, DAS DEFINIÇÕES E EXIGÊNCIAS, parágrafo 1.3 está escrito: “1.3. No que se refere ao estilo BALLET CLÁSSICO, o (a)s CANDITADO(A)S devem ter, obrigatoriamente, experiência comprovada na METODOLOGIA RUSSA/VAGANOVA, por meio de certificação comprovada.

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Nada contra o método - tão importante quanto qualquer outro desde que combinado a seu habitat -, mas tudo contra a engenharia dos bastidores. O que é isso, se não a desconsagração de inúmeros professores de Balé Clássico, qualificados e experientes em outros métodos, e que ficarão de fora por causa da desnecessária exigência obrigatória de experiência comprovada na METODOLOGIA RUSSA/VAGANOVA, por meio de certificação. E a coisa é tão séria, para não deixar dúvida, que está em caixa alta. Estranhíssimo. Sugiro, inclusive, a quem elaborou o Edital, que assistam a série "O Preço da Perfeição", na Netflix. Acaso não favoreçam minha reflexão.

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Por que somente esse método para o Balé Clássico? O que tem esse método que sobrepuja os demais? Nem todos os corpos se encaixam nesse método. Até mesmo os professores de Balé Clássico que trabalham, por exemplo, Vaganova Cubano, o fazem levando em consideração o biótipo brasileiro (corpos com maior massa muscular, portanto mais alto, pulo, muito pliê etc). Ou seja, fazem uma miscelânea, tendo em vista a incompatibilidade desse método com o corpo potiguar. Diferente das russas, com técnicas ao pé da letra, magérrimas, mais dançante, mais braço, mas linhas etc.


Espetáculo "Câmara Cascudo e o Tapete Mágico" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos.

O edital poderia ter dado abertura para que profissionais do Balé Clássico, em vários métodos, pudessem aplicá-los. Até porque todas as escolas potiguares que ministram aulas de balé clássico trabalham todos os métodos, inclusive o Vaganova. Mas sem provilegiá-lo. Essa mudança – excludente – é recente e desnecessária, já que a maioria dos professores não se identificam com tal método e não tem formação específica nele. Quantos professores norte-rio-grandenses de balé, residentes em natal, estão dentro desse critério exigido? Terá-se que buscar esses profissionais fora, o que é outra exclusão local. Que desconsagração desnecessária. Parece meio "Santo de casa não faz milagre".

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Seria compreensível - embora esquisito - se a EDTAM pretendesse criar um ambiente específico para o método russo Vaganova, mas à parte, sem comprometer nem excluir os outros métodos, já que demonstra querer jogar holofotes no Vaganova. Não se trata de sugerir a criação de uma escola especializada em Vaganova, mas que houvesse um espaço físico específico para o mesmo, justificando esse estranho e inesplicável destaque a tal método. Para sermos honestos, o Vaganova puro nem combina com o físico das brasileiras, em especial, as potiguares. É só comparar os corpos. Longe de sugerir preconceito, mas é questão de corpo, de anatomia.. Portanto, para que essa seletividade?

A outra desconsagração observada no edital diz respeito ao universo da Cultura Popular. Estamos assistindo a uma decadência da Cultura Popular. É grave. Essa decadência ocorre com a conivência das autoridades dos municípios do Rio Grande do Norte, com raras exceções. Todas as instituições natalenses que trabalham com Cultura no aspecto de patrocínio, incentivo, revitalização, promoção etc, estão inertes quanto a salvar o Folclore Potiguar.  Não se trata de engessar, por exemplo, grupos folclóricos, mas criar condições para que cada cidade potiguar, que têm suas expressões folclóricas, torne-as vivas, mesmo que sejam releituras ou, no mínimo, uma pegada parafolclórica.

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Em se tratando do edital da EDTAM, não se viu um olhar diferenciado para a cultura popular de Natal. Vê-se a disponibilidade para Jazz, Danças Urbanas, Heels dance Balé Clássico, Dança Contemporânea, Sapateado, e dança de salão. Aplausos para todas essas danças, pois são lindas, necessárias e salvam. Mas a Cultura Popular, em termos do genuíno brasileiro, ou até mesmo do parafolclórico, ficou no escuro (em sucessivos editais). Isso é um perigo para a nossa brasilidade, e o pecado é superiormente maior quando as próprias instituições que trabalham com cultura não se sensibilizam a reverter o quadro.

Espetáculo "Dom Quixote em Parnamoscou" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos.

É necessário jogar holofotes, também, nos grupos folclóricos locais, trabalhar continuamente com oficinas voltadas para essa riqueza brasileira, revitalizando-as, dinamizando-as, enaltecendo-as, promovendo-as, exibindo-as. São muitos entraves que colaboram para que o Folclore não tenha a repercussão que se deve. Entra governo e sai governo e não se vê diferença. O poder público não pode se somar aos entraves.

Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino.

Finalizando. Admiro a cultura como um todo. Escrevi vários espetáculos de dança, inclusive musicais. Sou cenógrafo. Trabalho com Arte. Minha fala não é isolada. Meu olhar é holístico. Por coincidência, meu filho, após esperar quase nove meses para conseguir um ingresso para o Bolshoi, em Moscou, Rússia, descreveu, radiante um espetáculo que ali contemplou. Meu filho, assim como eu, respira arte, embora, diferente de mim, sua área profissional seja outra. Digo isso para que não seja interpretado como se falando do que não se entende. Respiro arte.

Como disse no início: Sugiro, inclusive, a quem elaborou o Edital, que assistam a série "O Preço da Perfeição", na Netflix. Acaso não favoreçam minha reflexão.

Enfim, Não existe dança linda. Não existe dança superior. Existem danças lindas, seja Clássica ou Folclórica, e nenhuma é superior a outra. Por isso não entendi essa prioridade ao método Vaganova em Natal. Que me perdoe o mestre Cascudo, mas vejo como desconsagração e grande estranheza esse edital.